sábado, 29 de dezembro de 2007

BETH MICHILES, PRA SEMPRE




Beth, minha irmã, escreveu essa carta no último dia de 2006.

Sete meses depois, no dia 30 de junho de 2007, ela partiu.

Nesta carta, ela revela um sentimento positivo quando nos encontramos diante do "paredão", no limite do impossível e mesmo assim continuamos a procurar a contemplação plena do horizonte. Neste jogo que disputamos desde quando somos originados, perseguidos por perguntas e indagações sobre o destino da nossa existência, portanto sobre Deus, Diabo, Vida e Morte sobre os quais o cineasta Ingmar Bergman soube como poucos transformar num filme - "O SÉTIMO SELO"/ Det Sjunde Inseglet, 1957.


Beth migrou da floresta para as montanhas, do rio para o mar, mas agora ela se encontra, quem sabe, numa viagem muito particular entre o espaço infinito das não-fronteiras físicas e espirituais. O seu legado em nossa memória será o que plantou e colheu em vida:

"Cuidar das pessoas e acreditar que as plantas trazem a cura de todos nossos males."

Esse sentimento só engrandece-lhe, transformando a dra. Beth na mais nova e eterna variedade da flora amazônica, o lugar de onde um dia partiu, porem sem nunca ter esquecido-o.

Beth, com todo o amor e afeto daqueles que te amam, pra sempre.

Um ano depois de teres escrito essa mensagem pela vida.


“RIO DE JANEIRO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006.

ESTA CARTA É DE AGRADECIMENTO A TODAS AS SITUAÇÕES POSITIVAS VIVIDAS POR MIM, AS QUAIS RELATO-AS ABAIXO:

AGRADEÇO A SAÚDE FÍSICA QUE SEMPRE TIVE E QUE ME AUXILIARÁ NA RECUPERAÇÃO RÁPIDA DA DOENÇA QUE ORA ME ATINGE.

AGRADEÇO TAMBEM PELA MINHA APARÊNCIA JOVIAL QUE NÃO REVELA A VERDADEIRA IDADE CRONÓLOGICA.

AGRADEÇO POR TER MEU CORPO PERFEITO E SER UMA PESSOA SEM VÍCIOS OU DESEQUILÍBRIOS DE QUALQUER ORDEM.

AGRADEÇO POR SER UMA PESSOA OTIMISTA, POR ESPERAR SEMPRE O MELHOR DA VIDA, MINHA E DOS OUTROS.

AGRADEÇO POR SER COMPROMETIDA COM OS VALORES ÉTICOS.

AGRADEÇO POR TER UM CORAÇÃO DE SENTIMENTOS POSITIVOS COMO A GENEROSIDADE E A COMPAIXÃO; POR BUSCAR CULTIVAR NO CORAÇÃO O AMOR INCONDICIONAL PELO OUTRO, SEM QUERER RECOMPENSAS OU RECONHECIMENTO PELO QUE FAÇO DE BEM PARA O PRÓXIMO. POR QUERER LIBERTAR O MEU CORAÇÃO DE TODAS OS SENTIMENTOS NEGATIVOS.

AGRADEÇO POR HOJE RECONHECER COMO POSITIVO TER ESCOLHIDO A MINHA FAMÍLIA PARA VIVER ESTA VIDA, POIS A SUPERAÇÃO DAS QUESTÕES COMPLEXAS ADVINDAS DESSE NÚCLEO FAMILIAR TEM FEITO COM QUE EU BUSQUE O CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO – EVOLUÇÃO ESPIRITUAL.

AGRADEÇO TER SIDO INSPIRADA A ESCOLHER A CIDADE DO RIO DE JANEIRO PARA VIVER, ONDE FIZ MUITOS AMIGOS E DESENVOLVI A MINHA APTIDÃO PROFISSIONAL. AGRADEÇO TER NASCIDO NO BRASIL, PAÍS ONDE A NATUREZA É GENEROSA E O POVO BUSCA A FELICIDADE NAS COISAS SIMPLES.

FINALMENTE AGRADEÇO PELOS PAIS IRMÃOS E IRMÃS QUE TENHO, POIS TODOS SÃO GENEROSOS E NÃO HESITAM EM AUXILIAR SEMPRE QUE UM DOS IRMÃOS NECESSITA.

AGRADEÇO AINDA A ATUAÇÃO DOS ELEMENTOS QUE TRABALHAM PELO EQUILÍBRIO DE TODOS OS SERES VIVOS DESTE PLANETA – A NOSSA CASA.

SINCERAMENTE"

MARIA ELIZABETH DE OLIVEIRA MICHILES

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

OSCAR, O PÁSSARO ARQUITETO



"O que me atrai é a curva livre e sensual.
De curva é feito todo o universo.
O universo curvo de Einstein".
Oscar Niemeyer


Não consigo pensar no arquiteto Oscar Niemeyer sem lembrar do pássaro João-de-Barro (furnarius rufus). É uma imagem recorrente, numa espécie de fusão cinematográfica.

Ao depararmos com um projeto de arquitetura modernista de linhas curvas logo se vê que é uma obra de Oscar Niemeyer. E da mesma maneira é quase impossível não se reconhecer um ninho de João-de-Barro. Desde que o encontre, fato que está se tornando mais raro, segundo o meu conterrâneo José Ribamar Bessa, outro dia ele publicou numa crônica que esse pássaro encontra-se ameaçado de extinção. Personagem da paisagem rural, nas árvores, nos currais, aí se encontra uma casinha de barro, na forma arrendondada como as cúpulas projetadas por Oscar Niemeyer.

Com a aproximação implacável da vida urbana o João-de-Barro não se deu por vencido, tenta se adaptar e não se constrange em construir seu ninho nos postes elétricos e telefônicos. Como querendo acenar por mais uma chance de sobrevivência diante do avassalador "progresso" urbano. E da mesma maneira Oscar Niemeyer não se importar com as críticas e comentários sobre sua arquitetura, ele costuma dizer que o importante não é arquitetura, mas o homem. E se este ao construir com vidro, cimento e concreto, tornou-se numa referência símbolo das modernas edificações urbanas.
"João-de-Barro", o pássaro-arquiteto por excelência, é um símbolo da vida rural. Ele faz a sua casa de barro misturado aos gravetos, palhas e insetos como as malocas e casebres construídos pelos moradores da região rural brasileira - a taipa, num verdadeiro prodígio, a argamassa é atirada e socada, fazendo surgir um abrigo em perfeito equilíbrio orgânico contra o calor e frio, uma tradição que tem atravessado os tempos.

Eis um assunto aonde cinema, arquitetura e meio ambiente fazem um verdadeiro encontro da relação entre o homem e a natureza.

Oscar Niemeyer lembra-me Brasília, uma cidade projetada e construída a partir de sonhos, suór e polêmicas, eu na minha infância em Manaus, imaginava como seria construir uma cidade? No filme "O homem do Rio" (L'Homme de Rio,1964) podemos assistir o ator Jean-Paul Belmondo correndo e equilibrando-se perigosamente entre os andaimes dos edifícios do Congresso Nacional...Brasília, a Nova Capital, o encontro entre o litoral atlântico com a floresta amazônica, o Brasil vivia o frenesi do "novo", Juscelino Kubitschek de Oliveira, era chamado de "JK - Presidente Bossa Nova" e que por sua vez era a denominação da corrente musical brasileira que fazia fusão entre o ritmo das favelas com a batida sincopada nos apartamentos da zona sul carioca. As artes plasticas,o teatro e o cinema brasileiro apontava para uma tendência que ficou conhecida como Cinema Novo e é claro o Amazonas não poderia ficar fora destas novidades, os líderes populistas daquela época Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho logo cunharam como marca da sua administração, "Novo Amazonas”, e que tinha no restauro do Teatro Amazonas, depois de várias décadas literalmente entregue as traças. Numa cidade onde não havia quase nenhuma grande obra em construção, àquela visão do Teatro cercado de andaimes dava a impressão que se encontrava enjaulado ou como o "Mestre Joaquim", meu avô materno e mestre de obras, ironizava:

"- O governo do Novo Amazonas está encaixotando o Teatro Amazonas para enviar a Nova Capital".

Era uma típica piada daqueles tempos quando cinema de chanchadas, com Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade, Dercy Gonçalves, Ankito e outros comediantes como Juca Chaves faziam paródias sensacionais do dia-a-dia nacional.

Tempos depois fui estudar em Brasília, prestar vestibular para Arquitetura, quem sabe influenciado por esta atmosfera contagiante que foi o impulso criador de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, JK e tantas outras geniais personalidades. Ainda hoje, todas as vezes que retorno a capital federal, emociona-me a Catedral de Brasília, um projeto inspirado na fé, numa comunhão pelo encontro ecumênico de todas as emoções místicas da humanidade, uma casa, onde mora o deus plural.

Não poderia deixar de comentar sobre a consagração explícita na reprodução em larga escala, em todos os todos lugares, das colunas do Palácio da Alvorada. Poderia um arquiteto consagrar-se de uma outra maneira?

No último dia 15 de dezembro de 2007, o arquiteto Oscar Niemeyer completou um século, não apenas batendo o coração, mas com o discernimento e a criatividade em plena forma, ainda querendo ousar e manter viva a sua arquitetura de invenção.

Faz tempo que os argentinos adotaram o João-de-Barro como a ave símbolo, onde é chamado de "hornero" - "Ave de la Patria".

Podemos, nós, por aqui, adotarmos Oscar Niemeyer, como o arquiteto "João-de-Barro".


PS. Não deixe de assistir ao filme curta metragem "O João de Barro", de Humberto Mauro, 1956, 21 minutos.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

ROUBEI POR AMOR AO CINEMA

* Truffaut e Godard


Desde a juventude Godard e Truffaut eram amigos, tinham um único amor a compartilhar: o cinema.


Conheceram-se em 1949, provavelmente, nas sessões dos clubes de cinema freqüentados por eles, junto a André Bazin, Jacques Rivette e outros.


Como críticos de cinema no Cahiers du Cinema, eles integrariam o grupo que formou o movimento cinematográfico denominado "Nouvelle Vague".


É deles o roteiro de “Acossado” (A Bout de Souffle,1960) e que foi dirigido por Jean-Luc Godard criando uma reviravolta na maneira de contar uma história cinematográficamente, pondo de cabeça pra baixo a nouvelle-vague.


Antes, em 1959, Truffaut havia atingido o sucesso de público e crítica com o seu primeiro filme “Os Incompreendidos” (Les 400 coups, 1959), é a história de um menino desprezado e odiado pela mãe e ignorado pelo padrasto. Um filme sobre desprezo, amor, rejeição, afetividade.


Outro dia li uma declaração de Jean-Luc Godard: “Roubei por amor ao cinema”:


“Cheguei mesmo a roubar dinheiro à minha família, para o dar ao (Jacques) Rivette, para o seu primeiro filme. Roubei para ver filmes e para fazer filmes” (“Die Zeit” - nov 2007).


Imediatamente veio a minha memória o filme “A NOITE AMERICANA” (La nuit américaine,1973) de Françoise Truffaut, sobretudo aquela sequencia em que o diretor (interpretado por Truffaut) sonha (em p/b)... menino caminhando na noite pela cidade, encontra um cinema e rouba um pôster de “CIDADÃO KANE” (Citizen kane,1941) de Orson Welles.


O Cinema é a fita que amarra esses personagens notáveis do cinema mundial, porem separados por seus cordões umbilicais, quer dizer, impolutos egos. Na verdade experiências pessoais e familiares o faziam indivíduos distintos. Godard sempre mais racional e reservado, sonegava intimidades sobre sua vida. Truffaut, mas extrovertido, deseja comunicar-se alem das suas origens traumáticas, as periferias de Paris. Truffaut cresceu sob a atmosfera desta carência afetiva.

Apaixona-se pelo Cinema e toma a iniciativa de criar uma sala de exibição de filmes, após diversos fracassos entre a receita e as despesas, endividado e sem poder pagá-las, ele acaba denunciado aos pais pelos credores: 7.850 francos à Guillard. E no meio destas incompreensões, ele é colocado à disposição das autoridades que o internam num reformatório.

O jovem Truffaut é preso por que amava o cinema.


Nos anos 60, quando filmava “Beijos Roubados” (Baisers Volés, 1968), o qual dedica-o “à Cinemateca de Henri Langlois”, Truffaut engaja-se em defesa do curador da Cinemateca de Paris e que havia sido demitido pelo Ministro da Cultura André Malraux, ironicamente foi durante este episódio que a dupla Godard e Truffaut desentendem-se. Mas a separação desta amizade política-cultural tornou-se pública, em 1973.


MAIO 1973

Truffaut encontrava-se no Festival de Cannes para o lançamento do filme “A NOITE AMERICANA” (La nuit américaine,1973), cuja apresentação aconteceu fora da mostra competitiva, após a sessão obteve uma consagração imediata, todos elogiavam o último filme de François Truffaut. Todos, menos um, justamente o seu melhor, quer dizer “ex” - amigo, Jean-Luc Godard, este após assistir ao filme escreve-lhe uma carta explosiva:

"Provavelmente ninguém irá chamá-lo de mentiroso, portanto faço-o eu. Não é uma injúria, como seria chamar alguém de fascista, mas uma crítica, e é da falta de crítica em que nos deixam filmes como esses."


Truffaut consagra-se mundialmente ao fazer “A NOITE AMERICANA” (La nuit américaine,1973), "um filme sobre os filmes"; no início dos anos 60 Godard já havia feito um filme assim, “O DESPREZO” (Le mépris,1963), mas aquele segue na contra-mão da narrativa experimental de Godard. Não que isso venha fazer uma diferença de opostos, ao contrário, assistindo a esses filmes hoje, podemos dizer que eles fazem parte de um mesmo DVD, parte I e II.

O filme “A NOITE AMERICANA” tem seus méritos e qualidades, ele cria uma ponte de cumplicidade com o grande publico, aqueles que amam o cinema como um espetáculo de astros e estrelas, tal como Truffaut, Godard ou qualquer pessoa.


Em “O DESPREZO” Godard entre o enredo sofisticado em que mistura mitologia grega e a industria de cinema, ele nos brinda sem sutilezas e em primeiríssimo plano a nudez da mulher mais desejada do mundo naqueles anos 60, a atriz Brigite Bardot. Enquanto em “A NOITE AMERICANA” (La nuit américaine,1973), temos a atriz Jacqueline Bisset na sua plenitude de beleza, sem cenas escandalosas, mesmo assim a opção de Truffaut é a sua recorrente preocupação com a poesia, memória e o amor absoluto pelo cinema. Neste mesmo filme há uma cena onde o personagem “diretor Ferrand” (interpretado pelo próprio Truffaut) abre um pacote de livros, todos se referem aos grandes cineastas e num gesto continuo joga-os na mesa: Jean-Luc Godard , Hitchcock, Rossellini, Bunuel, Ingmar Bergman, Lubitsch, Bressan, Howard Hawks, Carl Theodor Dreyer...

Da minha parte posso revelar que quando adolescente, em Manaus, "roubava" da loja de comércio do meu pai, barras de sabão, latas de sardinhas, chocolates, garrafas de cachaça e entregava-os nas mãos do Jurandir (Cine Odeon) para poder assistir filmes impróprios à menores de 14 ou 18 anos. Era uma farra.


Roubar por amor ao cinema todos que o amam assim o fizeram. É um filme.



Bibliografia: de BAECQUE, Antoine; TOUBIANA, Serge. François Truffaut: uma biografia. Trad. Clóvis Marques - Rio de Janeiro: Record, 1998.







terça-feira, 27 de novembro de 2007

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA - O BLOG





Uma da melhores notícias de produção cinematográfica do ano (entre nós), sem duvida, foram as filmagens de “BLINDNESS”, dirigido por Fernando Meirelles, uma adaptação do best-seller "Ensaio sobre a cegueira" de José Saramago - Nobel de literatura.

No elenco tem show de bola com Juliane Moore, Danny Glover, Alice Braga, Gael García Bernal, Mark Rufallo entre outros.

DIÁRIO DE BLINDNESS
"Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara." Livro dos conselhos
O diretor Fernando Meirelles, entre tantos outras ocupações (como não fossem poucas) resolveu registrar no blogdeblindness.blogspot.com tudo sobre as filmagens e bombou, a moçada compareceu em massa, alguns tem mais de cem acessos.

Fernando generosamente (não diria inovou), mas com certeza veio ao encontro de quem se interessa pelo trabalho no cinema, refiro-me aos bastidores: concepção e o porquê da escolha deste romance, produção, roteiro, montagem, direção de elenco, fotografia, direção de arte, figurinos, locação, etceteras.
A “COZINHA” CRIATIVA DO DIRETOR

Existe muitos outros livros, reportagens e making of capaz de revelar os bastidores de uma filmagem (Apocalypse Now- O apocalipse de um cineasta/ “Hearts of Darkness:A Filmmaker’s Apocalypse,1991, dir. Fax Bahr, George Hickenlooper e Eleanor Coppola), ou o livro “Filme: um retrato de Hollywood” (Picture, 1952), que é uma excepcional reportagem assinada por Lillian Ross sobre a produção do filme “A glória de um covarde” / The red of courage, 1951, de John Huston. Nessa mesma importância podemos indicar o blog “DIÁRIO DE BLINDNESS” de Fernando Meirelles, um pedagogico relato sobre o dia-a-dia da produção de um filme - sem maquiagens.

Com certeza vale mais que um bônus aos alunos de qualquer escola de cinema, sem exagero. EXPERIMENTEM! Ele mesmo em mensagem trocada comigo (17.nov) comenta:

“Sempre escrevo estes textos pensando em estudantes de cinema. Nossos colegas costumam mitificar nossa profissão (talvez para valorizar o passe) e por isso mesmo, mostrar algumas inseguranças nesse processo, pareça meio estranho às vezes.”

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

DEU NA TV,ESTOU NO YOUTUBE: DOCUMENTÁRIO OU FICÇÃO?


A aventura do cinema é uma viagem que vai do teatro das sombras, a invenção da fotografia no século XIX, século XX ao século XXI – a era da imagem digital, virtual e outras mídias. E como todos nós podemos constatar em nosso cotidiano, as imagens em movimento se transformaram numa espécie de segunda pele. Admiramos, contemplamos, assistimos e interagimos com elas. Há mais de um século que o cinema faz parte da vida de todos nós. Ele nos envolve e emociona.

E a Amazônia? O quê tem haver com toda essa história?
Com certeza tem muito. Diríamos que a Amazônia faz parte deste imaginário numa curiosa relação da invenção do cinema com a Amazônia, sim, desde o principio o cinema esteve presente entre nós, forjando um imaginário sobre nossa região, ora como ficção, ora como documentário. Com certeza estamos nos referindo ao cineasta pioneiro Silvino Santos (1886-1970), a sua produção é um dos maiores legados sobre nossa paisagem natural e humana.

Mas isto não quer dizer que os documentários realizados por este pioneiro estejam mais próximos da realidade, muito ao contrário, muitas vezes o documentário tem fomentado a idealização exacerbada sobre o conteúdo dos fatos sobre o qual desejamos mostrar.

Neste sentido a Amazônia tem sido aquilo que fazemos dela ou faremos com ela. É a nossa imagem e semelhança.

Ela é fruto de idiossincrasia daqueles que por aqui passaram como visitantes ou mesmo como habitantes. Sejam através das interpretações dos povos indígenas ou na visão delirante das Amazonas, as guerreiras mitológicas do espanhol Francisco Orellana, mas do meu ponto de vista a imagem mais prodigiosa e instigante é a denominação Maranhão, emaranhado, labirinto.

Tudo isso me faz recorrer às metáforas do emaranhado de mega-pixels que nos envolve em nossa contemporaneidade igualmente pelo emaranhados das árvores, plantas e cipós que se refletem como paisagem instigante na superfície das terras firmes ou nas águas dos rios.

Essa paisagem é um tema recorrente, ela, hoje faz parte do espelho refletindo numa mesma imagem, refiro-me agora a aparente solidão, aquele olhar do viajante numa panorâmica interminável e até mesmo num aborrecido plano sequencia. E aí, está fronteira entre aquilo que observamos e aquele outro lado que não conseguimos enxergar, este, é, portanto o nosso fio da meada.

O mundo de fronteiras. Devemos atravessá-lo, descobri-lo, seja através de uma interpretação ficcional ou documental. Ainda diante das possibilidades tecnológicas contemporâneas, estes desafios se tornam cada vez menores. Mesmo se falamos o mesmo idioma ou não, tanto faz, a nossa comunicação, esta ferramenta utilizada pelo homem, que ensina, confunde e assusta, é nosso único fio solidário.

Nunca e nenhum outro estágio da nossa presença no planeta, os seres humanos migraram, transferiu-se de lugar para outro como nos últimos vinte e cinco anos. Eles deslocam-se em massa.

Mesmo assim não formam um amálgama como foi ou é dito com orgulho sobre a miscigenação brasileira, hoje, o que prevalece é o gueto e a permanência de características fundamentalistas que o identificam como povo singular, habitando em terras estrangeiras. Neste sentido, vários lugares assumem como referência paradigmática e, podemos afirmar que um deles é a Amazônia.

A diáspora na realidade brasileira é muito recente, até nas ultimas décadas do século XX, nós conhecíamos brasileiros vivendo no exterior por questões políticas e não como opção de sobrevivência, numa busca por uma vida melhor. O Brasil sempre acolheu aqueles cidadãos vindos de todos continentes aqui chegavam para “fazer a América”, hoje esse movimento se inverteu, agora são os brasileiros que tenham ou não ancestrais no exterior que invertem o fluxo migratório. Quanto a Amazônia podemos ressaltar a contribuição dos imigrantes nordestinos, foram eles que reinventaram um outro rosto, aquele que alterou a exclusividade do rosto único indígena. E aqui se faz necessário lembrar que a Amazônia é brasileira, mas também peruana, colombiana, equatoriana, venezuelana, guiana... Suas fronteiras sempre foi uma passagem viva, globalizada entre os diversos povos que aí habitam. Este é um assunto recorrente no universo das imagens dos filmes documentários (ou não), a questão das fronteiras migratórias nas diversas visões sobre a imigração ilegal.

Seja sob qualquer outro assunto a Amazônia está presente no cotidiano da humanidade, ela representa desespero e esperança – a nossa ficção ou o nosso documentário. É uma imagem retida na retina do planeta.

A devastação das florestas, assoreamento de rios e lagos, inversão climáticas, derretimento das regiões geladas planeta afora, mega
aglomeração urbana, o certo é que as imagens nos chegam de todas as partes, a qualquer hora, não se submete a fusos horários. Sob o efeito da globalização surtiu um outro efeito, o da desconstrução de territórios e das linhas imaginárias. Em confronto a globalização que parecia zerar a tudo e todos, o que vivenciamos é o contrario, a permanência fundamental de culturas construídas a partir das crenças desenvolvidas em geografias determinadas: nada mais é estranho e o estranho é o estranhamento diante do outro, porque o outro sou eu mesmo. Nada nos choca e nos assusta. Parece não existir o medo e nem o horror. Os sinais dos celulares e da internet são flechas em busca de alvos certeiros: a intercomunicação interpovos, e eles não são apenas meios auditivos, mas transmissores de imagens.

A transmissão ao vivo do homem pisando na superfície lunar, no final da década de sessenta, foi a desconstrução da linha imaginária construída ao longo de milênios no inconsciente da humanidade. O homem pisa na Lua, observa como um voyeur à imagem do nosso planeta, o nosso lar, vista pelos registros alem do cosmos. Essa janela indiscreta nos despertava para a verdadeira dimensão da nossa frágil existência, o referencial diminuto e desproporcional diante do universo. Somos parte da poeira cósmica.

A incompreensão diante deste fenômeno levou a despolitização das imagens e nos conduziram ao mundo dessacralizado, talvez por isso essa necessidade premente das religiões, das tribos e da família. Hoje, todas as ofensas, oferendas são emitidas ao redor do altar da imagem através das novas mídias. E todos desejam servir a esta seita, nem que seja por um segundo, desde o exibicionista que se masturba, pratica sexo ou o terrorista homem-bomba, todos querem beber no altar da fama, senão suas “verdades” não existem.
A questão se resume naquilo que “deu na TV.

Diante desta desconstrução de identidades, o cinema documentário surge como reação para reencontrarmos nossa autoestima, daí a sua repercussão como linguagem e gênero nos nossos dias.

É diante desses fatos que o cinema toma forma de um espelho que somente a ficção não dá conta e aí, como todos os dias nossos olhos, ouvidos e cérebros armazenam imagens de pessoas que morrem assassinadas ou mortas nos atentados à bomba ou bombardeadas por máquinas aéreas. Seja em Manaus, em Curitiba, Fortaleza, Rio de Janeiro, Iraque, Tel-aviv, Nabus, Líbano, Iquitos, Letícia, Caracas, Santa Cruz de La Sierra, São Paulo, os registros das imagens das pessoas que vivem nesses lugares, testemunham e dão visibilidade as suas tragédias, e através delas que todos nós podemos nos tornar cúmplices ou meros espectadores.

Em tempos de tecnologia digital, a atividade audiovisual é cada vez mais democrática. O fascínio pela imagem também se reflete na procura pelos cursos de audiovisual, cada vez mais concorridos. Os resultados vêm no mesmo ritmo: a produção audiovisual tem crescido vertiginosamente. E é por isso que, os festivais de cinema, tanto nacional como internacional, abrem-se sem preconceitos para as produções em vídeo, formato que está mais próximo dessa nova geração de realizadores.

Somente com esses dados sob controle do realizador é que ele poderá decidir qual conceito técnico e estético que deverá assumir. Mecânico, digital, câmera na mão, celular, um minuto, curta, media ou longa-metragem.

Diante das sucessões de imagens em movimentos que nossos cérebros absorvem, não podemos negar a existência duma era do simulacro das imagens. E neste sentido os documentários exercem o fascínio em desvendar ou multiplicar os fatos, numa espécie de rede imaginária e espetacular da história.

Nunca um modo de falar, num perfeito encaixe, veio a calhar neste universo de megapixels como a expressão, “deu na TV” ou “estou no Youtube", como fosse a assinatura autoral desta era.

São Paulo, maio 2007.
AURÉLIO MICHILES

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

FEST AMAZONAS - PRÊMIO ARROZ DE FESTA


rapahel veleda A atriz chinesa Bai Ling (O corvo, Capitão sky, Star Wars III, Lost e que integrou o juri de ficção no 4. Amazonas Film Festival, ganhou em disparada na modalidade "arroz de festa", não deu pra ninguém, ela estava em todos os lugares, foi uma verdadeira enchente amazônica de aparições midiáticas. Por se tratar de um evento de cinema, mais do quê normal, principalmente nestes tempos "narcisico-exibicionista", quando as celebridades tiram as calcinhas (literalmente) só pra aparecer, como nunca se tem noticia desde que a atriz Annette Kellerman, em 1916, derrubou a barreira da nudez frontal no filme "Uma filha dos deuses"(A Daughter of the Gods) e da implacàvel censura por mais de vinte anos do filme "Extase" (1933), aonde a atriz Hedy Lamarr nada num lago completamente nua.

Coitada da Carmen Miranda, ela que por hábito profissional, pra não ficar com as marcas das ditas cujas, nos anos 40 acabou flagrada por um abelhudo fotógrafo, ameaçando a sua carreira em Hollywood. A partir daí o nosso imaginário das estrelas é uma sucessão de flagrantes reveladores...Marilyn Monroe, Sharon Stone e depois um vendaval de celebridades que sem peias e meias abrem as pernas à objetiva dos fotógrafos da “hora”.

Ora, ora, nada disso representa novidades, quantos de nós “abicorou” o cruzar das pernas da professora ou daquela gostosa do colégio?

Recordo que no início da minha adolescência, em Manaus, um dos meus amigos ganhou do pai uma luneta, naqueles anos os homens exploravam o espaço sideral, nós curumins ao contrario, rendíamos a avalanche das testosteronas, desejávamos desvendar outros mistérios. Abrigados no quarto deste amigo, em frente ao Ginásio Pedro II, passávamos algumas manhãs e tardes calorentas na esperança por flagrar um cruzar de pernas que num átimo de descuido revelasse as desejadas intimidades.

Neste ultimo Amazonas Film Festival, a chinesa Bai Ling, fez o movimento ao contrario daqueles adolescentes, ela oferecia-se aos flashes e aos comentários, não se rendia há nenhum instante ao anonimato. Apresentada como “uma das 50 celebridades mais lindas do mundo”, ao que comentou um dos tripulantes no passeio de barco no rio Negro:

“- Érastes, com esses peitinhos que parecem duas jabuticabas chupadas, sou mais a minha mulher!”

Injustiça, apesar de não ter os dotes das grandes e exuberantes estrelas do cinema, ela tem charme, elegância e humor, quando subiu ao palco do Teatro Amazonas para receber o prêmio em nome de Feng Xiaogang por “Toque de Recolher” (Assembly), imitando o gesto de Marcelo Tas, beijou o chão do palco e disse que àquela hora, o seu conterrâneo, em algum lugar da China, estaria "comendo uma péssima comida e tomando "umas" e "outras".

Mulher bonita, verdade seja dita, é a atriz Dira Paes, a sua beleza amazônica nos confortava diante da nossa afirmação étnica, sobretudo em meio às luzes e contrastes no passeio pelo “encontro das águas” (Rio Negro).

domingo, 18 de novembro de 2007

AMAZONAS FILM FESTIVAL E O DESCONHECIMENTO GLOBAL


Ao retornar de Manaus, aonde fui participar do 4º. Amazonas Film Festival - Filme de Aventura(9 a 15 nov.), trago comigo, mais uma vez uma série de indagações sobre as questões ambientais que envolvem a região amazônica e o seu imaginário no cinema.

Todo festival de cinema tem uma marca que o faz distinguir-se dentre tantos outros, por exemplo, o festival do Rio de Janeiro é uma vitrine de negócios, o de Brasília, o mais antigo do país, leva a marca da politização e por aí vai. Isto faz com que os produtores e distribuidores procurem aquele que melhor convier a visibilidade mercadológica do seu filme. Esta é uma busca de todos os eventos do gênero audiovisual.

O que significa para um realizador exibir o seu filme no glamuroso festival de cinema em plena selva amazônica, cujo templo maior é o Teatro Amazonas?

TAPETE VERMELHO

No seu tapete vermelho desfilaram os participantes, eles vieram de todas as partes do país e do mundo e aqui eles ficam embasbacados com a paisagem e a presença demográfica, antes acreditavam encontrar um lugar de tribos indígenas fugidias, mas ao contrario, são levados a conversar com realizadores locais.

É verdade, a maioria ignorava a filmografia dos visitantes, por exemplo, no debate com Jean-Jacques Annaud(Preto e branco em cores, A guerra do fogo, O nome da rosa) e John Boorman (A floresta das esmeraldas, Esperança e Gloria, Excalibur), ao questionarem na platéia quem os conhecia, apenas uma pessoa (platéia lotada) levantou o braço. Pergunto isso tem importância? Esses visitantes também não desconheciam a realidade amazônica? E nem por isso os tornam menos importantes. Neste encontro, tanto um como o outro, passou a se conhecerem. Inclusive depois da resposta solitaria da plateia, eles indagaram quem tinha algum registro audiovisiual no Youtube, uma outra pessoa afirmou possuir e imediatamente passaram a conversar sobre as possibilidades das novas mídias.

A existência deste festival de cinema é o que conta, e é justamente isso que o faz cada vez mais um evento referencia, aonde se pode discutir as questões relacionadas as mudanças globais, neste sentido o Amazonas Film Festival, afirma-se como um acontecimento cinematográfico de interesse mundial.

BUZZ ALDRIN * APOLLO XI

A presença do astronauta Buzz Aldrin, sim um dos primeiros humanos a pisar na Lua, passou quase despercebida para a maioria dos freqüentadores e também para os habitantes da cidade de Manaus. Aliás, a imprensa local fez comentários com reticências ao acontecimento. Ela dizia que não havia celebridades importantes, segundo eles, a homenagem à atriz Gloria Pires, num evento cinematográfico? Insinuando preconceitos entre cinema e a televisão. Quanta injustiça ou desinformação.

Nem por isso os freqüentadores do Festival não puderam conhecer a realidade de outros lugares do planeta, como por exemplo:"Luky Miles" (Austrália), "Souds of Sand" (Bélgica/França),"Before the Flood" (Holanda), "Bushman's secret" (áfrica do sul),"Chernobyl Reclamaimed - na animal takeover (Holanda),"The Mud" (Singapura),"Wild Mongólia" (Áustria), "A incrível historia de Coti - Rambo do São Jorge" (Manaus-Brasil), "Navegar Amazônia"( SP-Brasil), "O Signo da Cidade" (SP-Brasil), "Nas asas do condor" (Manaus-Brasil). Esses e muitos outros filmes internacionais e nacionais deram significado e conteúdo.

Não poderíamos deixar de comentar que este ano, o presidente de honra foi Cacá Diegues, ele que no final dos anos setenta realizou o filme "Bye,Bye Brasil", literalmente um adeus perplexo e visionário ao país que se desnudava atônito aos desafios simultaneos da era digital.

IDIOSSINCRASIAS E PANACÉIAS

A Amazônia tem sido explorada como parte das idiossincrasias e panacéias alimentada pela imaginação da humanidade. Aliás, era e é muito comum nos filmes de ficção científica e horror das décadas de 40 e 50, (ainda hoje) a utilização dessa enorme e intrigante região desconhecida como tema, numa espécie de reinvenção. Podemos citar alguns destes filmes: "Delírio de um Sábio" (Dr. Cyclops, 40), "O Monstro da Lagoa Negra" (The Creature From the Black Lagoon, 54), "Curuçu, o terror do Amazonas" (Curuzu, the beast of the Amazon, 1956), "O Mundo Perdido" (The Lost World, 60) e Um Lobisomem na Amazônia (BRA,2006).

FASCÍNIO DA HUMANIDADE

A última floresta tropical em pé, esta que abriga um imenso pulmão verde redutor de carbono contra o aquecimento global, a maior reserva de água doce do planeta, a biodiversidade que desafia a finitude das descobertas, sociedades neolíticas e conflitos por interesses diversos das suas riquezas naturais serve de inspiração para os imaginativos roteiristas, estes a incluem como cenário de civilizações perdidas, mundos ocultos, animais pré-históricos que sobreviveram ao longo do tempo, laboratórios de cientistas loucos, tráfico de recursos naturais, e todos os tipos de intrigas que fascinam a humanidade.

Nessa quarta rodada do Amazonas Film Festival - filme de aventura, trouxe com ele significados emblemáticos das questões que vivenciamos hoje no planeta, ao mesmo tempo em que ele acontece tendo como mostruário de notáveis realizações cinematográficas de todas as partes do mundo, inclusive realizadores locais. Esta mostra de filmes (sem preconceitos) se coloca como a própria diversidade da flora e fauna amazônica, procura disponibilizar aos olhos contemporâneos a oportunidade de se fazer comparações e reflexões sobre como se tem inventado um imaginário amazônico entre nós e o outro, entre o autóctone e o estrangeiro - o estranhamento do desconhecimento e das descobertas.

PIONEIROS DAS IMAGENS AMAZÔNICAS

Mas não podemos esquecer daqueles que contribuíram com a sua curiosidade encontrando respostas e que deixaram um legado empreendedor e pioneiro (Silvino Santos, Theodor Koch-Grünberg, Major Luiz Thomaz Reis). Mesmo daqueles que ao visitarem-na foram tomados pela ambição do poder, chegando a loucura megalômana (Aguirre e Fitzcarraldo).

Conhecer a Amazônia através do imaginário audiovisual, é uma experiência que vale a pena, mesmo que estejamos nos comovendo com a aventura da pequena indiazinha "Tainá", do desenho animado "Sinfonia Amazônica" ou incomodados com os perturbadores filmes "Terceiro Milênio", "Iracema - uma transa amazônica". Podemos citar ainda os filmes realizados ainda naquele período de pré-guerra mundial, por exemplo, a versão amazônica da Alemanha hitlerista no filme "O inferno verde" (Kautschuk,1938) ou a superprodução hollywoodiana "O fim do rio" (The end of the river, 1947). Os filmes de pós-guerra "Os Bandeirantes" (Rio Negro, 1961), "O homem do Rio" (L'homme de Rio,1964), "A floresta das esmeraldas"(The emerald forest,1985), "Brincando nos campos do senhor" (At play in the fields of the Lord,1991). E, finalmente o olhar amazônico num filme de Glauber Rocha ("Amazonas, Amazonas",1966).

ARIADNE-AMAZÔNIA

O cinema, essa linguagem privilegiada do século passado, tem a capacidade para desenrolar o mítico novelo de Ariadne-Amazônia ("ilusão do paraíso") neste instigante labirinto do documentário e da ficção. E neste Festival Mundial do Filme de Aventura, entenda-se "aventura" com o parte intrinseca do "fazer cinematografico" e a "Amazonia" como uma locação generosa para colocarmos em prática toda a imaginação das nossas desventuras neste planeta ameaçado.

Aurélio Michiles aureliomichiles@gmail.com novembro, 2007.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O UIVO SENTIMENTAL DO NOSSO TEMPO



A Amazônia é, sem duvida, o maior banco genético do planeta.
Todas as conquistas, todos os engenhos que fazem do Homem um animal singular em comparações aos outros animais, só tem nos levado ao impasse entre produzir riqueza e reduzir as carências relacionadas à miséria humana. E aqui nos referimos tanto ao existencial quanto ao social. Nos dias presentes nos defrontamos com a ameaça de levarmos a destruição do planeta, somente pela exploração à exaustão dos recursos naturais. É fato, aonde o homem permaneceu, aí nada ou quase nada restou da natureza que ele encontrou.

É fato também que a Amazônia tem sido referencia do fantástico, da panacéia, da cobiça humana ou como a ultima fronteira a ser conquistada. Caso aqui sobreviva um dos últimos lotes do Éden, segundo o Gênesis da civilização judaico-cristã, temos que lembrar que Deus, depois de trabalhar incessantemente durante seis dias, não esqueceu de garantir o direito ao descanso, e assim abençoou e santificou o sétimo dia. E esta relação entre o trabalho e o lazer, entre o racional e a intuição tem permeado a nossa geografia humana, seja com a população dos povos da floresta, seja com a população urbana. Aqui curiosamente o arcaico e o moderno se misturam permanentemente, como um simulacro, aquela primeira impressão do encontro das águas do rio Negro com o Solimões.

A Amazônia tem sido e muito mais nos dias contemporâneos uma referencia emblemática, uma personagem substantiva dos negócios relacionados a biopirataria. Não podemos esquecer que a história das civilizações tem sido a história do roubo de plantas. E aqui quero me reportar a ação articulada com inteligência e persistência que resultou no contrabando das sementes da seringueira. Esta única planta do nosso Banco Genético que transformou radicalmente a permanência do Homem no Planeta Terra – seja socialmente, economicamente e culturalmente.

Sim, foi o leite da seringueira, que possibilitou a expansão urbana, as aglomerações metropolitanas e cosmopolitas, não é coincidência que a coleta da borracha acontece concomitante a invenção do automóvel e dos aviões, por conseguinte a sua produção numa linha de montagem. Não estou querendo fazer uma mera revisão nostálgica, mas aproveitando a data celebrada do Primeiro de Maio para falar justamente do trabalho.

AMAZÔNIA - ESCRAVIDÃO DO DÉBITO

Já no início do século XX, a polonesa Rosa Luxemburgo, no seu livro A Acumulação do Capital, identifica no modo e nas relações de trabalho que os ingleses estavam implementando entre os seringueiros e por conseguinte em toda malha do sistema produtivo e de comercialização na Amazônia, a sinalização da nova estratégia de exploração e conquistas econômicas. Ela referia-se a “escravidão do débito”. Sim, a dissimulada relação de domínio onde o trabalhador se mantem dependente através da dívida. Algo semelhante às relações que vai predominar ao longo do século XX e principalmente com a economia neoliberal sob a égide do mundo globalizado – todos os cidadãos têm créditos desde que façam débitos. Daí a virtualidade do dinheiro substituído pelos cartões créditos. Aquela ação da “escravidão do débito” entre as relações de comercio da borracha foi apelidada pelos ingleses como “truck”, sim, o popular “truque”. Esse veículo capaz de transportar grandes quantidades de cargas.

Com certeza nossa história é marcada por esse ciclo econômico, quase como um signo indelével ou perguntas a serem respondidas, alem daquelas que sempre recorrem a simplificação destes fatos, como mero extrativismo, loucura, delírio, luxuria e todas aqueles relatos que dão conteúdo folclórico aquilo que deveria ser reflexão científica. As gerações de amazonenses nascidos até no final dos anos sessenta, com certeza são marcados pela testemunha perturbadora das consequencias deixadas pela decadência econômica da borracha. Mesmo assim jamais deixamos de ser parte inalienável deste Banco Genético, seja da sua paisagem aquática como da potencialidade da sua flora, por outro lado, encontramo-nos umbilicalmente contatados pela presença onipresente do TEATRO AMAZONAS, ele sinaliza que o bárbaro e o civilizado encontram-se, pelo menos aqui, permanentemente relacionados: o trabalho e o lazer, as conquistas materiais e as conquistas espirituais.

É quase certeza que grande parte destes fatos não são nenhuma novidade. Nós sabemos, o quanto já fomos personagens nas memórias e relatos daqueles que aqui nos visitaram e com eles levaram as mais contraditórias das impressões, mas pelo menos numa delas existe uma confluência de sensações, ainda não existiu aquele que ficou indiferente a paisagem deste lugar, o nosso lugar – a Floresta Amazônica e nela a audácia arquitetônica do Teatro Amazonas.

AQUELA SELVA ERA TÃO SELVAGEM

Todas às vezes que recorro a memória sempre lembro de “A Divina Comédia” de Dante Alighieri importante obra da Idade Média, principalmente aquele trecho em que o autor descreve sua odisséia pelas trevas infernais: “Quando eu me encontrava na metade do caminho de nossa vida, me vi perdido em uma selva escura, e a minha vida não mais seguia o caminho certo. Ah, como é difícil descrevê-la! Aquela selva era tão selvagem, cruel, amarga, que a sua simples lembrança me traz de volta o medo”.

Assim como dos livros "A Educação Sentimental" (1869), de Gustave Flaubert para quem sua época " é a história moral de minha geração". O mesmo diria sobre o poema emblemático de Allen Ginsberg, "Uivo" (1956):
"eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa...".

Entretanto não posso deixar de citar o livro do poeta amazonense Thiago de Mello, “Faz escuro, mas eu canto”. Apesar de ter sido escrito em 1964 (e por isso mesmo), esse é um título que por si, carrega significados que transpassa gerações pelo reflexo aos sentimentos de sofrimento e agonia relacionados contexto da época. Neste sentido é uma imagem recorrente da “A Divina Comédia”, de Dante, cujo personagem encontra-se perdido numa “selva sombria e escura”.

O que esses autores tem em comum? Tudo.

Esses trabalhadores da criação desejaram e conseguiram transformar seus depoimentos num testemunho singular da sua época, mesmo em detrimento da incompreensão dos seus contemporâneos, tanto Flaubert, Ginsberg, Dante e Thiago tornaram suas obras numa referencia necessária do seu tempo.

TRINTA ANOS ESTA NOITE

Ainda na busca de referencias sobre a excelência das memórias, também recordo do filme de Louis Malle "Trinta Anos Esta Noite" (Le Feu Follet - 1963), literalmente uma balada da desesperança, onde se aborda sem concessões o suicídio, resumindo-o numa derrota ao conhecimento, a crença e a vontade. Em síntese, são as últimas 48 horas de um homem totalmente perdido e que volta a Paris e, através dos bares e de velhos amigos, começa uma espécie de busca de si mesmo na reconstituição do passado. Quando assistir, deveria ter uns 15 anos e o filme causou-me medo, despertando o demônio do horror, numa espécie de "selva sombria".

Naquela época em que esse filme foi realizado, sua história foi interpretada como um arrobo "niilista", "existencialista", "decadente", etc. Como se diz hoje, não era politicamente correto (à direita ou à esquerda). Havia um patrulhamento sedimentado na concepção característica do século XX: o voluntarismo revolucionário, no imenso desejo de se colocar na vanguarda dos
sentimentos de inquietação, reacender as chamas da utopia, através dos séculos.

As obras de arte sejam na literatura ou no cinema, elas são partes objetivas da realidade em que foram criadas. Neste sentido podemos identificar uma relação dinâmica entre o trabalho físico e o intelectual, numa relação de mútua dependência. Colocadas hoje, parece até que sempre foram compreendidas desta maneira. No entanto, demorou séculos para os homens compreenderem o diálogo entre as forças produtivas e a história.

TEMPOS VITORIANOS E A VITÓRIA REGIA

Durante todo o século XX ecoava a frase lapidar, “um fantasma ronda a Europa”.
Era um presságio sobre fim dos “sólidos impérios”, eles estavam com seus dias contados e o poder trocava de mãos. Depois de duas grandes guerras, o mundo dividiu-se em territórios sob a influencia de um restrito grupo de potências. E veio a Guerra Fria, os países vitoriosos, como a URSS e os EUA, seguiam caminhos diferentes. Um propunha uma sociedade cuja economia estivesse centralizada no Estado e a outra no Mercado. Enquanto que a Grã Bretanha "o império aonde o sol nunca se punha" encontrava-se sob feito crepuscular, mas deixava como herança a utopia revolucionária relacionada à propostas coletivistas. E estas se encontravam sedimentadas nas teses filosóficas do alemão Karl Marx e do britânico Friedrich Engels. Visto, pelos olhos de hoje, somente eles poderiam propor algo novo. Afinal eles eram filhos daquela realidade, testemunha ocular e privilegiada do desenvolvimento econômico britânico. Eles anteviram que era preciso reorganizar o modo e os meios de produção, e também os seus resultados (quer dizer, os LUCROS), senão haveria um colapso na demanda que se anunciava - a sociedade de massas.

Eles acreditavam que a nova sociedade deveria estabelecer regras claras e disciplinadoras, onde o Estado atendesse a essas demandas: a linha de montagem, o bem estar social estabelecendo relações cordiais, não aviltantes entre as classes, ao contrario o que se vivenciou na Inglaterra daqueles tempos “vitorianos”.

OLIVER TWIST E OS CURUMINS

Nos romances do escritor Charles Dickens (1812-1870), sobretudo “Oliver Twist” (1839) se pode até hoje identificar as fissuras daquela realidade. Quando Dickens começa a publicar os seus romances, tem à sua disposição um público formado pela revolução industrial. Londres tem mais de um milhão e meio de habitantes, devido à explosão demográfica e a um êxodo rural que expulsa os camponeses das suas terras. A indústria têxtil servirá de emprego para estes espoliados. A perversa paisagem social expõe-se na exploração do trabalho infantil, como um dos pilares da economia inglesa. E é sob esse impacto e desejando denunciá-lo que Dickens escreve “Oliver Twist” – um órfão entre as centenas que perambulam pelas ruas de Londres, disponibilizando a toda sorte de exploração. Lá ele é recolhido das ruas por um ladrão que o leva a um velho que comanda um exército de prostitutas e pequenos marginais.

O CAPITAL NÃO TEM PÁTRIA

Como é mostrada numa peça (opereta) de Bertold Brecht e Kurt Weill, "A Ópera dos três vinténs” (1928), inspirada na opereta inglesa "A Ópera dos Mendigos” (1728), de John Gay. Tanto um como o outro, conta a historia das relações promíscuas na fundação e origem do poder econômico, político e social.

Contemporaneamente podemos identificar o cinismo e o vale-tudo arrivista transpassando qualquer ética coletiva ou moral individual : “o Capital não tem pátria”. Brecht escreveu aquela opereta logo após a leitura d´O Capital de Karl Marx, e aí aproveitou para discutir as relações entre os "pequenos delitos", "as pequenas corrupções" e "os grandes e respeitáveis crimes" através da estória entre o chefe de policia, o chefe dos mendigos e o bandido n.01. Eles ficam 95% do espetáculo perseguindo e chantageando-se uns aos outros. No final, o "happy end": como não estão obtendo lucros ao qual se encontravam acostumados, portanto aquela situação só trazia mais prejuízos no desenvolvendo dos seus negócios, resolvem assinar um armistício:

"-Vamos fundar um Banco?"
"- Afinal qual a diferença entre assaltar um Banco comparada a fundação de um Banco?"


Metáfora? Sim, com certeza, é o fim de mais um Império. Afinal o jovem Marx identificou na solidez do capitalismo emergente a semente de sua antítese com aquela célebre frase "tudo que é sólido se desmancha no ar". De fato o capitalismo não se desmanchou mas revelou uma enorme capacidade de transformar-se para sobreviver as suas contradições. Daí a transcendência histórica dessa frase. Existe algo mais expressivo que esta frase? O próprio Winston Churchill com suas frases afiadas é um representante concreto desta simbologia recorrente. Não é pra menos que Churchill com sua força de líder carismático ficou conhecido também como "o coveiro do império".

O DIA DO TRABALHO

Conto e refiro-me a esses fatos para comemorar o Primeiro de Maio - o Dia do Trabalho que celebra a figura do trabalhador. Como todos sabem, a data tem origem numa greve operária iniciada em 1º de maio de 1886, em Chicago a época o grande pólo industrial nos Estados Unidos. Os objetivos dessa greve se definiam por melhores condições de trabalho e redução da jornada de trabalho que costumava ser de 14 horas diárias. Essa manifestação de protesto serviu como justificativa para a repressão policial, que acabou em mais de cem mortes e a prisão de dezenas de militantes operários. Este episódio ficou conhecido como "Os Mártires de Chicago" e se tornou símbolo da luta trabalhista mundial. Infelizmente muitas pessoas pensam que se trata de um feriado decretado pelo governo; outros imaginam se tratar de um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos "seus" trabalhadores. Também existem - ou existiam - aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para exibir o poder do Estado e dos burocratas.

TEMPOS MODERNOS

É possível que se essa realidade não tivesse sido analizada sob a ótica econômica, política e social nos escritos de Marx e Engels, o mundo moderno não existiria como conhecemos atualmente: a linha de montagem (implantada por Henry Ford, nos EUA), sindicatos de trabalhadores e patronais, ensino publico (sobretudo universitário), as leis trabalhistas, em outras palavras o Estado de bem-estar social.

A arte serviu também ao famoso cineasta Charles Chaplin, uma criança pobre de Londres que através de sua sensibilidade criativa conseguiu escapar do destino trágico da maioria dos seus iguais. Num dos seus filmes, ele faz uma corrosiva e irônica crítica a monotonia e alienação do trabalho repetitivo na “linha de montagem”: “Tempos Modernos” (Modern Times, 1936).

Mesmo que essas conquistas estejam, hoje, sendo colocadas contra a parede do “desmanche” do consenso de Washington como nas recentes manifestações estudantis na França, estamos vivenciando uma outra onda, num outro alinhamento, um deslocamento de interesses e de acumulação da riqueza. Hoje se ouve falar de “serviços”, “terceiro setor”, questões novas para o cotidiano, o mundo “on line” relacionadas as “infovias”. Os "manifestos" impressos manualmente e afixados na calada da noite nos postes das ruas sombrias de Londres no século XIX, hoje são os “blogs”, cada cidadão, cada indivíduo tem diante de si o mundo inteiro para expressar e fazer multiplicar suas idéias planetariamente. Este novo alinhamento ainda não tem uma ideologia filosófica evolutiva. E, no entanto, apesar destas conquistas tecnológicas e cientificas contemporâneas, todos aqueles fatos relatados acima, como conteúdo da literatura, ainda permanece na paisagem urbana das grandes metrópoles.

Está na moda falar de determinados vultos históricos. É próprio de uma época que se encontra na busca de personagens depositários da moral de um povo, de uma nação ou de uma civilização. No plano internacional, destaca-se a figura de Churchill ativo protagonista de uma intensa e portentosa vida política e parlamentar que se estendeu por mais de meio século. Fala-se das suas qualidades, das suas previsões ou dos seus “bordões” tais como:
“A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos”.

JK, JÂNIO E A CORRUPÇÃO

A nível nacional é a recorrência em fazer loas às qualidades do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Entretanto não é demais lembrar que ele foi derrotado por um adversário que fez símbolo da sua campanha uma “vassoura” para limpar toda a sujeira, eufemismo de corrupção que o país estaria imerso, segundo o candidato Jânio Quadros, eleito como uma montanha de votos. Jânio renunciou, enquanto o legado de Juscelino é denominado como a “era JK”, referência de arrojo, modernidade e auto-estima.

E sobre o presidente Getulio Vargas? Outro vulto histórico sempre lembrado, o que podemos falar? Desejo afirmar que apesar de sua longa permanência no poder, com períodos duros de repressão jamais esqueceremos que foi no seu governo, que foram feitas as mais significativas conquistas sociais e trabalhistas.

No período do chamado Estado Novo sob um governo que constitucionalmente renega a “democracia-liberal” em favor de um “governo-ditatorial” Getulio cria regras entre o “trabalho-capital” através da Justiça do Trabalho: a jornada do trabalhador é regulamentada, as demissões sem justa causa ficaram proibidas e o trabalho infantil e feminino obtiveram uma legislação especial, e no ano seguinte, em 1940 todo trabalhador brasileiro tem direito ao rendimento mínimo obrigatório, “o salário mínimo”. Com essas ações fulminantes, criadas ao arrepio de um governo constitucional Getulio Vargas arranca as bandeiras dos partidos de esquerda e passa a ser cultuado como - o pai dos pobres. Mas como sabemos no final do seu governo é acusado de desmandos administrativos e cria-se a imagem do “mar de lama”. Getulio Vargas reage com um gesto inusitado para o “modus operandis” dos políticos brasileiros: suicida-se para defender a dignidade que lhes restava: a morte - “saio da vida para entrar na História”. Mas seu legado está mimeticamente identificado com o Primeiro de Maio – o dia do trabalhador. É dele o bordão:
“- Trabalhadores do Brasil!”

MEU PAI E MARYLIN MONROE

E por falar nesses fatos, vou contar-lhes uma história narrada a mim por meu pai. Ele era um adolescente quando escutou no final dos anos 20 que os norte-americanos estavam construindo uma cidade industrial à margem do rio Tapajós - a Fordlândia. Eles pagavam salário, casa pra morar, com água encanada, chuveiro, torneira, vaso sanitário, caixa-d’água, luz elétrica, escola, hospital, férias remuneradas e tudo mais que ninguém nunca imaginou. Meu pai não acreditou, desconfiado pediu pro sujeito recém desembarcado nos beiradões do rio Maués que contasse mais...Salário, o que é isso? Ele que vivia por ali trabalhando duro, extraindo daquela selva e rios o que eles pudessem dá para seu sustento e da sua família, havia vislumbrado naquela história uma possibilidade de melhorar na vida. E decidiu rumar pra sua casa, contar a sua mãe, arrumar a maleta e partir para o sonho. Minha avó, com voz firme e olhar resoluto, colou-se a sua frente e não permitiu de maneira alguma que ele partisse. Ela passou-lhe um ralho.
"– Que maluquice, uma coisa assim não deveria existir, com certeza."

Meu pai recuou, deixando de lado aquele sonho e obediente resolveu ficar na realidade do seu cotidiano, cortando pau-rosa, nem mesmo sabia o real destino daquelas toras. Na França, a essência extraída daquela árvore seria utilizada até a exaustão num famoso perfume. Sim, aquele, de quem Marylin Monroe declarou ao ser indagada com que se vestia ao dormir:
“- com duas gotinhas de Channel n.05”.

Vivemos num tempo de incertezas, cada cidadão, cada indivíduo sente-se ameaçado na sua sobrevivência, as ofertas de trabalhão rareiam e isso não é apenas uma questão do terceiro ou do quarto mundo, é uma crise enfrentada nos países do primeiro mundo – o emprego, o trabalho remunerado. Recentemente, assistimos por toda parte do mundo, manifestações em defesa pela garantia da sobrevivência remunerada, todas elas exigiam uma só reivindicação: Trabalho.

ARTESANAL E O DIGITAL

Manaus, a capital do Amazonas, cidade aonde nasci, tornou-se numa das mais populosas cidades brasileiras, quase dois milhões de habitantes. Uma consequencia direta causada pela oferta de trabalho no Pólo Industrial de Manaus onde estão instaladas centenas de indústrias.

A riqueza produzida nesse pólo industrial faz do Amazonas um dos maiores PIB do país. Esse evento institucional sobre um Estado Industrial e Sustentável me fez lembrar da relação campo e cidade, rural e urbano, artesanal e digital, sagrado e profano ou em tudo que nos têm levado ao “progresso e ao desenvolvimento”. Aqui está, mais uma vez, a paradoxal realidade da nossa região, o convívio entre o arcaico e o moderno; a síntese entre o artesanal e o digital. São questões que nos desafiam a respondê-las.

O HOMEM IRMÃO DO HOMEM

Como havíamos afirmado no início deste relato sobre os escritores Dante Alighieri, Gustave Flaubert, Allen Ginsberg e Thiago de Mello eles que conseguiram transformar seus depoimentos num testemunho singular da sua época, mesmo ao preço da incompreensão dos seus contemporâneos. Tanto estes como aqueles, tornaram suas obras numa referencia necessária do seu tempo. Nós aqui na Amazônia, também temos uma obra fundamental, aquela que nos remete como um antídoto contra as incertezas, numa crença peremptória nos sonhos da humanidade. Refiro-me ao poema Os Estatutos do Homem, do poeta amazonense-de-todo-o-mundo Thiago de Mello. Ele clama por um desejo fraterno – “o homem irmão do homem”, um conceito nos dias de hoje fora de moda, mas que com certeza significa a ancestral luta pela nossa permanência e sobrevivência neste belo Planeta Terra.

AURÉLIO MICHILES, 01.05. 2006.

CRASH E FALCÃO - no limite do Fantástico


UAU! CRASH! TRASH! PLASH! BUUUMMMM!

Fui assistir Crash - No Limite, de Paul Haggis. Ganhador de melhor filme OSCAR 2006.
Quando lançado por aqui ficou apenas uma semana em cartaz. Creio que a temática intensa deste filme não caiu nas graças do publico brasileiro, nós estamos até ao gargalo com essa e outras problemáticas, de qualquer maneira interpreto esta ausência, mas como uma indiferença irresponsável. Felizmente depois do Oscar, os exibidores do circuito "mais alternativo" resolveram dá mais uma oportunidade, pelo menos aqui em SP.

Ao voltar para casa, assistir no "Fantástico" (TV Globo) "FALCÃO" um documentário chocante, realizado pelos próprios moradores das comunidades aonde o Fernando Meirelles filmou o Cidade de Deus. Com certeza deixou pasmo os 70 milhões de espectadores que vêem este programa "global" todos os domingos. Histórias verdadeiras de crianças que tem idade limite de vida até 18 anos - todas envolvidas no tráfico das drogas, pasmem, desde os dois anos de idade. Apenas uma das várias crianças entrevistadas neste documentário, encontra-se viva cumprindo pena numa penitenciária.

Quanto ao Crash, gostei e recomendo. Sobre o seu diretor, apenas conhecia o seu trabalho de roteirista no filme “Menina de Ouro”, de Clint Eastwood. Ao assistir Crash, logo me veio na memória os filmes “Short Cuts”, de Robert Altman e “Grand Canyon”, de Lawrence Kasdan, são obras que percorrem as mesmas referencias.

Porem mais que um filme sobre Los Angeles ou sobre EUA, Crash é um filme sobre o preconceito em diversos níveis, dos mais primários ao mais sofisticados e dissimulados. É um complexo e intrigante painel deste mundo, nuestro mundo. Aqui, ali e em alhures. A questão é os humanos contra a humanidade. É a mesma coisa, um se fundamenta nas diferenças das hipocrisias sociais, fomentadoras dos desejos espúrios do não-acesso ao consumo. Esta questão fica explicita no documentário “FALCÃO”, na seqüência em que a mãe orgulhosa mostra as roupas do filho-adolescente morto, "ele só gostava de roupa de marca".
O crime não compensa da mesma forma que o fim justifica os meios... Então, é o quê me refiro como circulo demoníaco do PODER.

ROUBA, MAS FAZ

Todos sabem que determinados políticos são corruptos, recorrem a meios não-ortodoxos para se manter e manipular "os meios justificam os fins". O famoso “rouba, mas faz”, aceito como piada, mesmo que aí esteja a caixa de pandora da nossa história nas relações promiscuas entre o dinheiro publico e os homens públicos. A tênue fronteira entre o público e o privado.

A questão está posta. Encontramo-nos diante de um determinado tempo histórico que faz apologia ao arrivismo, ao desdém contra o diferente, ao outro. Demoniza-se a igualdade e se faz negócios com a solidariedade, transformando-se em "S.A.".

Pensemos na solidariedade, no altruísmo em relação à miséria social e chegaremos a questão das crianças nas favelas, como um assunto que pertence a sociedade como um todo. Mesmo sem esquecer (jamais) que é uma responsabilidade de governo, mas caso os cidadãos atuantes e participantes não interagirem, estaremos fritos. E não adianta chorar diante das imagens "derramadas" no horário nobre da maior TV privada do país.

Parece não ser suficiente. A carne grossa e dura da sociedade está viciada com a paisagem. A elite recorre ao jogo de esgrima, com luvas de proteção anti-sépticas contra os pobres e miseráveis. Nós temos a cruel capacidade de acostumarmos com indiferença diante das barbaridades. Foi assim na Alemanha nazista, foi assim no Brasil da ditadura e é assim, com certeza, diante da tragédia cotidiana dos iraquianos. A “banalidade do mal”.

MV BILL VERSUS FERNANDO MEIRELLES

Quando Fernando Meirelles filmou Cidade de Deus, causou furor. Determinados críticos e teóricos de cinema chamaram-no de "cosmética da fome" fazendo uma relação irônica com o hoje assimilado e rebelde "estética da fome" de Glauber Rocha. Até mesmo o rapper MV Bill, ameaçou chamar a imprensa nacional e internacional para denunciar o "oportunismo" do Fernando, inclusive dizendo que entraria com queixa crime na justiça, por perdas e danos morais, porque o filme Cidade de Deus estava fortalecendo a imagem preconceituosa que a sociedade tem contra "os moradores das comunidades periféricas", eufemismo de favelados.

Eu mesmo escrevi e troquei mensagens com o MV Bill, fazendo uma analise do filme e da situação histórica. Ele agindo desta forma (dizia-lhe) estaria apenas fortalecendo aqueles que se mostram solidários, briguem entre si. Contei-lhe a historia do Fernando Ramos, "o pixote" e a demonização que determinadas pessoas fizeram contra o diretor do filme (Pixote - a lei do mais fraco) Hector Babenco, imputando-lhe a responsabilidade do Fernando Ramos ter seu destino traçado pelas mãos do crime e das balas dos policiais. Aqueles pretensos "críticos de uma ética, moral, etc", queriam que o Babenco dividisse os lucros advindos do filme, como se a salvação do Fernando estivesse relacionada ao dinheiro. Ele era uma conseqüência, encontrava-se à margem da sociedade, não compreendia seus meandros. Não sabia, nem ele e ninguém da sua família, o Babenco deu-lhe um caminhão (ele vendeu), deu-lhe casa (ele vendeu), arranjou-lhe trabalho, como ator de telenovela (Globo) e ele não conseguia decoirar os textos. A manutenção da sua realidade estigmatizada e conflituosa (droga e a falta de perspectiva no futuro), era corroída.

Quando somos nós o Poder, a voz daqueles que exercem sua influencia para impedir, censurar, mascarar - é o que tem sido feito faz tempo, esta realidade não é do governo Lula. Os escândalos se sucedem como consequencia da própria democracia brasileira que exercita seus músculos de um adolescente. Um dia desses, ainda, a corrupção era vista como uma pratica necessária, uma oportunidade, daquele "rouba, mas faz", conforme citei acima.

DEMOCRACIA E A DATA DE VALIDADE

A nossa democracia ainda não completou dezoito anos, quem sabe, ela sobreviva mais que esses garotos que nascem com a data de validade vencida.

E aí, meu irmão, não adianta jogar pedras entre nós, não adianta Max Weber, Adorno, Lucaks, Bobbio e o caralho, todos estamos no mesmo barco e podemos a qualquer momento estar diante do revolver nas mãos de uma criança, e ele querendo levar apenas uns trocados, na troca da nossa vida ou dos nossos filhos.

E aí está toda a arquitetura do circulo do PODER. Da construção do imaginário da ciência política e social + as teologias que autorgam aqueles senhores donos dos espíritos, intermediários do "ópio popular". Os meios tecnológicos são os mesmos, o "primitivismo" da consciência, terreno fértil para as "não-razões". Os soldados "norte-americanos" que matam e morrem no Iraque, encontram-se diante da vida e da morte, por causa de um único desejo: a ascensão social, o acesso a universidade e um salário garantido no meio do cenário de desempregados nos EUA - a maioria é de origem latino, negros, asiáticos, quer dizer todos que lá estão, buscam o sonho por uma vida melhor. E se aqui estivessem, com certeza eles seriam "Falcões".

O ÓPIO DO POVO

Por aqui esse aspecto demoníaco do poder, não tem nenhuma diferença. Eles jogam a poeira da cegueira para encobrir a barbaridade da nossa realidade - PT, PFL, PTB, PSDB, PMDB, PDT, etc...LULA, Zé Dirceu, Palloci, Jeressaiti, Sarney, Quércia, Bornhausen, ACM (avô, filho e neto), Cristóvão, FHC, Serra, Alckmin, Garotinho, César Maia (pai e filho), Roriz, Rigotto, Pauderney, Amazonino, Athur Neto (avô, pai, neto e bisneto) à esquerda ou à direita de deus pai todo poderoso.

OS DEMÔNIOS DO PODER

Nesse círculo do poder não existe santo e nem anjos. Todos são tocados pela luz terrível que os cega e os transforma em demônios. Por acaso você já leu "Os demônios" de Fiodor Dostoievski?
Leia esse trecho:
Chigalióv, um dos líderes, apresentando a sua teoria revolucionaria:

“Como solução final do problema, dividir os homens em duas partes desiguais. Um décimo ganha liberdade de indivíduo e o direito ilimitado sobre os outros nove décimos. Estes devem perder a personalidade e transformar-se numa espécie de manada e, numa submissão ilimitada, atingir uma série de transformações da inocência primitiva”.

Piotr, um outro personagem propõe que a solução é o assassinato para se chegar ao nível da igualdade.

"O projeto dele é notável, tornou Verkovenski. Estabelece como regra a espionagem. Segundo ele, todos os membros sociedade se espionam mutuamente, e são obrigados a relatar tudo o que descobrem. Cada um pertence a todos e todos pertencem a cada um. Todos os homens são escravos e iguais na escravidão; e nos casos graves, pode-se recorrer à calúnia e ao homicídio; mas o principal é que todos são iguais. Antes de tudo, rebaixa-se o nível da instrução, das ciências e dos talentos. ... portanto nada de inteligências superiores. (...) É mister bani-los ou matá-los. Cícero terá a língua cortada, Copérnico os olhos furados, Shakespeare será morto a pedradas. Isso é que é o chigaliovismo. Ah,ah,ah! Está admirado? Eu sou partidário". (...) "O tédio é uma sensação aristocrática; no chigaliovismo não haverá desejos. Desejo e sofrimento para nós, para os escravos, o chigaliovismo”.

“Os demônios” de Dostoievski
não foi compreendido pelos intelectuais do século XX. Por que será?

Lendo-o hoje, nós ficamos com a sensação que perdemos alguma parte do baile, quer dizer da festa revolucionária.

Aurélio Michiles, março 2006.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

BOMBAS ATÔMICAS EM HIROSHIMA E NAGAZAKI


A SUA ALMA QUEIMARÁ NUMA EXPLOSÃO ATÔMICA

- Ao som de "Napalm in the Morning", trilha sonora original do Filme "Apocalypse Now" (1979)- 

Desde a invenção do avião, este "pássaro-de-ferro" que desafia a lei da gravidade, tem sido um engenho que nos causa fascínio e horror, em relação à primeira dá-se quando ele nos locomove estonteantemente, numa altura somente alcançada pelos pássaros ou no sonho megalomano-mitológico de Ícaro. E horror todas as vezes que ele explode numa visão espetacular e apocalíptica.

A guerra aérea inoculou-nos numa desavergonhada ação de extermínio, aonde populações, cidades, monumentos arquitetônicos, paisagem natural, fauna e flora, criações artísticas e culturais são aniquiladas sob a responsabilidade do anonimato. Tudo se transforma num alvo.

Uma das sequencias mais eloqüentes do filme "Apocalipse Now" é aquela quando um oficial do exército norte americano (interpretado por Robert Duvall), debaixo dos bombardeios incessantes com napalm, ele retira a camisa, ajeita seu chapéu de cowboy de infantaria, como fosse uma estátua aos conquistadores, diz:

"- Adoro o cheiro de napalm pela manhã...tem o sabor da vitória".

Não é por leviandade que esta frase é considerada como uma das mais importantes da história do cinema. Ela expressa sinteticamente o imaginário daquilo que o romancista norte americano Gore Vidal escreveu, segundo ele, os norte-americanos depois da vitória contra o nazi-fascismo: "Nos envolvemos numa guerra perpétua contra o que parecia ser o clube do inimigo do mês".

Morreu ontem aos 92 anos, um dos mais representativos representantes deste "lado negro da força", personagem de um dos episódios que mancha de horror a humanidade. Refiro-me ao general-brigadeiro Paul Tibbets Jr., sim, foi ele que pilotou o avião que jogou bomba atômica sobre a cidade Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945, matando centenas de milhares de pessoas, deixando a cidade totalmente arrasada. Até hoje, os sobreviventes e seus descendentes vivem sob "choque e pavor" desta tragédia. Mas ao contrario daquilo que possamos imaginar aquele militar, ao longo da sua vida, jamais manifestou uma palavra de arrependimento, mas ao contrário se orgulhava com o mesmo sentimento do oficial no filme de Francis Ford Coppola. Em suas memórias, Paul Tibbets Jr, assim descreveu a sua visão diante da hecatocombe nuclear:

"O gigantesco cogumelo púrpura já havia subido numa altitude de 13.500 metros de altura e continuava a disparar para o alvo, fervilhante, como se terrivelmente vivo".

E numa outra declaração:

"Eu estava ansioso para executá-la. Queria fazer tudo que pudesse para derrotar o Japão. Queria matar os bastardos."

Essas declarações expressam as bravatas tipo machista-heróico dos filmes hollywoodianos, aquele "mocinho" capaz de dar a sua vida pela pátria, mesmo pisoteando os princípios de qualquer moralidade, aqui como em todos os episódios que envolvem as guerras, é a imoralidade que vale e por ela se é condecorado. Seja nos filmes de bang-bang, aonde os povos indígenas eram mortos feitos seres vivos insignificantes, enquanto o mocinho permanecia, apesar das escaramuças, com o chapéu na cabeça ou nos filmes de guerra quando eles sequer se sujavam de sangue, continuavam com suas roupas com vincos impecáveis e o corpo sem nenhum arranhão.

Os índios, os alemães ou os japoneses feitos uns cruéis covardes, "eles haviam nascidos para serem mortos". Como, e da mesma maneira, hoje são transformados como "alvos da vez": os "narcotraficantes mexicanos, colombianos" ou aqueles identificados como "árabes terroristas".

A implacável supremacia do poder da máquina de guerra norte-americana, não deixa margem para questionamentos.

Depois da Coréia, nos anos sessenta os norte-americanos se chafurdaram no Vietnã, e aí diante de uma estratégia que fugia dos confrontos clássicos, viram-se diante de uma guerra de guerrilhas. E como solução final inventou-se a guerra eletrônica computadorizada, sensores infravermelhos, televisão, rastreadores, bombas químicas (napalm), mesmo provocando estragos indiscriminados nos vietnamitas, acabaram derrotados e deixando pra trás uma paisagem desoladora e um sabor de derrota inesquecível, mesmo assim uma lição, até hoje, ainda não assimilada totalmente. Daí insistir que a existência do personagem do Apocalipse Now, protagonizado pelo ator Robert Duvall e o general-brigadeiro Paul Tibbets Jr são figuras emblemáticos desta cultura da guerra de conquista a qualquer custo.

Ao longo dos séculos, tenta-se escamotear a sua estratégia de extermínio, mudam-se os nomes, mas a origem é a mesma, a ignomínia criminosa de guerra.

Em1991 quando os Estados Unidos da América do Norte era governado pelo Bush-pai, ele declarou guerra no golfo, e sem nenhuma cerimônia os mísseis norte-americanos sob o bombardeio implacáveis dos aviões transformaram num inferno as principais cidades do Iraque e sobre o Kuwait ocupado pelas tropas comandadas por Saddam Hussein(antigo aliado dos EUA). Toda essa ação espetacular foi transmitida em tempo real pela rede de televisão CNN, esta tornou popular as expressões "bombas inteligentes", "bombardeios cirúrgicos". Uma guerra que se queria fazer respeitar por uma ação asséptica, (como nos filmes hollywoodianos) tanto que a imagem transmitida, não se tinha closes da tragédia - sangue, suor e horror. Tudo parecia como os efeitos especiais, tipo "Guerra nas Estrelas" ou dos jogos de computador, enquanto que as vítimas, as destruições e o extermínio em massa de pessoas era banalizada como parte integrante de um mundo virtual. Mais uma vez foram os engenhos aéreos que se fazia utilizar como os braços e olhos do horror espetacular.

Em 2003, foi a vez do Bush-filho invadir o Iraque, sob o slogan "Choque e Pavor", mas aquilo que deveria apenas encontrar laboratórios que supostamente produziriam guerra química, resultou num fracasso moral. Mesmo tendo enviado uma máquina de guerra jamais vista contra um inimigo do porte do Iraque.Num objetivo eles acertaram, sob os desígnios e significados do "Choque e Pavor", os bombardeios B-2 e B-52, os mísseis e os submarinos continuam fazendo milhares de vítimas.

Segundo testemunhas oculares, estes bombardeios foram dez vezes maiores que aquele praticado pelo Bush-pai. Resultado: sob "choque e pavor" continuam as populações iraquianas.

A matança, até aqui, tem passado como herança de pai para filho. E sob o espectro do general-brigadeiro Paul Tibbets Jr., paira a consciência daqueles que desenham a geoestratégia mundial, aquela que foi identificada pelo filósofo francês Paul Virillio:

"A primeira vítima da guerra é o conceito de realidade".

E isto ficou explicito quando a suposta moral civilizatória dos Estados Unidos da América do Norte foi abalada justamente pelo "pássaro-de-ferro", refiro-me aqueles dois aviões, em Nova Iorque, com inocentes passageiros e pilotados por ensandecidos "inimigos do dia", chocou-se contra as torres gêmeas, causando "choque e pavor". Aí se encontra a origem do nome da ação que batiza ação bélica contra o Iraque. Uma ironia com sabor freudiano.

Diante do uso bélico dos aviões como uma espetacular máquina assassina, contrariando as ambições da sua origem como um sonho lúdico, tipo homens-pássaros, foi traído pelo "lado negro da força" levando um dos seus inventores, o brasileiro Santos Dumont, a suicidar-se, ao saber do uso dos aviões como uma arma de guerra. Por esta, e por muitas outras, desejo de coração que o general-brigadeiro Paul Tibbets Jr., piloto do avião que jogou bomba atômica sobre a cidade de Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945, que a sua alma queime eternamente numa Explosão Atômica.

"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

www.tudoporamoraocinema.com.br

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.