sábado, 29 de dezembro de 2007

BETH MICHILES, PRA SEMPRE




Beth, minha irmã, escreveu essa carta no último dia de 2006.

Sete meses depois, no dia 30 de junho de 2007, ela partiu.

Nesta carta, ela revela um sentimento positivo quando nos encontramos diante do "paredão", no limite do impossível e mesmo assim continuamos a procurar a contemplação plena do horizonte. Neste jogo que disputamos desde quando somos originados, perseguidos por perguntas e indagações sobre o destino da nossa existência, portanto sobre Deus, Diabo, Vida e Morte sobre os quais o cineasta Ingmar Bergman soube como poucos transformar num filme - "O SÉTIMO SELO"/ Det Sjunde Inseglet, 1957.


Beth migrou da floresta para as montanhas, do rio para o mar, mas agora ela se encontra, quem sabe, numa viagem muito particular entre o espaço infinito das não-fronteiras físicas e espirituais. O seu legado em nossa memória será o que plantou e colheu em vida:

"Cuidar das pessoas e acreditar que as plantas trazem a cura de todos nossos males."

Esse sentimento só engrandece-lhe, transformando a dra. Beth na mais nova e eterna variedade da flora amazônica, o lugar de onde um dia partiu, porem sem nunca ter esquecido-o.

Beth, com todo o amor e afeto daqueles que te amam, pra sempre.

Um ano depois de teres escrito essa mensagem pela vida.


“RIO DE JANEIRO, 31 DE DEZEMBRO DE 2006.

ESTA CARTA É DE AGRADECIMENTO A TODAS AS SITUAÇÕES POSITIVAS VIVIDAS POR MIM, AS QUAIS RELATO-AS ABAIXO:

AGRADEÇO A SAÚDE FÍSICA QUE SEMPRE TIVE E QUE ME AUXILIARÁ NA RECUPERAÇÃO RÁPIDA DA DOENÇA QUE ORA ME ATINGE.

AGRADEÇO TAMBEM PELA MINHA APARÊNCIA JOVIAL QUE NÃO REVELA A VERDADEIRA IDADE CRONÓLOGICA.

AGRADEÇO POR TER MEU CORPO PERFEITO E SER UMA PESSOA SEM VÍCIOS OU DESEQUILÍBRIOS DE QUALQUER ORDEM.

AGRADEÇO POR SER UMA PESSOA OTIMISTA, POR ESPERAR SEMPRE O MELHOR DA VIDA, MINHA E DOS OUTROS.

AGRADEÇO POR SER COMPROMETIDA COM OS VALORES ÉTICOS.

AGRADEÇO POR TER UM CORAÇÃO DE SENTIMENTOS POSITIVOS COMO A GENEROSIDADE E A COMPAIXÃO; POR BUSCAR CULTIVAR NO CORAÇÃO O AMOR INCONDICIONAL PELO OUTRO, SEM QUERER RECOMPENSAS OU RECONHECIMENTO PELO QUE FAÇO DE BEM PARA O PRÓXIMO. POR QUERER LIBERTAR O MEU CORAÇÃO DE TODAS OS SENTIMENTOS NEGATIVOS.

AGRADEÇO POR HOJE RECONHECER COMO POSITIVO TER ESCOLHIDO A MINHA FAMÍLIA PARA VIVER ESTA VIDA, POIS A SUPERAÇÃO DAS QUESTÕES COMPLEXAS ADVINDAS DESSE NÚCLEO FAMILIAR TEM FEITO COM QUE EU BUSQUE O CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO – EVOLUÇÃO ESPIRITUAL.

AGRADEÇO TER SIDO INSPIRADA A ESCOLHER A CIDADE DO RIO DE JANEIRO PARA VIVER, ONDE FIZ MUITOS AMIGOS E DESENVOLVI A MINHA APTIDÃO PROFISSIONAL. AGRADEÇO TER NASCIDO NO BRASIL, PAÍS ONDE A NATUREZA É GENEROSA E O POVO BUSCA A FELICIDADE NAS COISAS SIMPLES.

FINALMENTE AGRADEÇO PELOS PAIS IRMÃOS E IRMÃS QUE TENHO, POIS TODOS SÃO GENEROSOS E NÃO HESITAM EM AUXILIAR SEMPRE QUE UM DOS IRMÃOS NECESSITA.

AGRADEÇO AINDA A ATUAÇÃO DOS ELEMENTOS QUE TRABALHAM PELO EQUILÍBRIO DE TODOS OS SERES VIVOS DESTE PLANETA – A NOSSA CASA.

SINCERAMENTE"

MARIA ELIZABETH DE OLIVEIRA MICHILES

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

OSCAR, O PÁSSARO ARQUITETO



"O que me atrai é a curva livre e sensual.
De curva é feito todo o universo.
O universo curvo de Einstein".
Oscar Niemeyer


Não consigo pensar no arquiteto Oscar Niemeyer sem lembrar do pássaro João-de-Barro (furnarius rufus). É uma imagem recorrente, numa espécie de fusão cinematográfica.

Ao depararmos com um projeto de arquitetura modernista de linhas curvas logo se vê que é uma obra de Oscar Niemeyer. E da mesma maneira é quase impossível não se reconhecer um ninho de João-de-Barro. Desde que o encontre, fato que está se tornando mais raro, segundo o meu conterrâneo José Ribamar Bessa, outro dia ele publicou numa crônica que esse pássaro encontra-se ameaçado de extinção. Personagem da paisagem rural, nas árvores, nos currais, aí se encontra uma casinha de barro, na forma arrendondada como as cúpulas projetadas por Oscar Niemeyer.

Com a aproximação implacável da vida urbana o João-de-Barro não se deu por vencido, tenta se adaptar e não se constrange em construir seu ninho nos postes elétricos e telefônicos. Como querendo acenar por mais uma chance de sobrevivência diante do avassalador "progresso" urbano. E da mesma maneira Oscar Niemeyer não se importar com as críticas e comentários sobre sua arquitetura, ele costuma dizer que o importante não é arquitetura, mas o homem. E se este ao construir com vidro, cimento e concreto, tornou-se numa referência símbolo das modernas edificações urbanas.
"João-de-Barro", o pássaro-arquiteto por excelência, é um símbolo da vida rural. Ele faz a sua casa de barro misturado aos gravetos, palhas e insetos como as malocas e casebres construídos pelos moradores da região rural brasileira - a taipa, num verdadeiro prodígio, a argamassa é atirada e socada, fazendo surgir um abrigo em perfeito equilíbrio orgânico contra o calor e frio, uma tradição que tem atravessado os tempos.

Eis um assunto aonde cinema, arquitetura e meio ambiente fazem um verdadeiro encontro da relação entre o homem e a natureza.

Oscar Niemeyer lembra-me Brasília, uma cidade projetada e construída a partir de sonhos, suór e polêmicas, eu na minha infância em Manaus, imaginava como seria construir uma cidade? No filme "O homem do Rio" (L'Homme de Rio,1964) podemos assistir o ator Jean-Paul Belmondo correndo e equilibrando-se perigosamente entre os andaimes dos edifícios do Congresso Nacional...Brasília, a Nova Capital, o encontro entre o litoral atlântico com a floresta amazônica, o Brasil vivia o frenesi do "novo", Juscelino Kubitschek de Oliveira, era chamado de "JK - Presidente Bossa Nova" e que por sua vez era a denominação da corrente musical brasileira que fazia fusão entre o ritmo das favelas com a batida sincopada nos apartamentos da zona sul carioca. As artes plasticas,o teatro e o cinema brasileiro apontava para uma tendência que ficou conhecida como Cinema Novo e é claro o Amazonas não poderia ficar fora destas novidades, os líderes populistas daquela época Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho logo cunharam como marca da sua administração, "Novo Amazonas”, e que tinha no restauro do Teatro Amazonas, depois de várias décadas literalmente entregue as traças. Numa cidade onde não havia quase nenhuma grande obra em construção, àquela visão do Teatro cercado de andaimes dava a impressão que se encontrava enjaulado ou como o "Mestre Joaquim", meu avô materno e mestre de obras, ironizava:

"- O governo do Novo Amazonas está encaixotando o Teatro Amazonas para enviar a Nova Capital".

Era uma típica piada daqueles tempos quando cinema de chanchadas, com Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade, Dercy Gonçalves, Ankito e outros comediantes como Juca Chaves faziam paródias sensacionais do dia-a-dia nacional.

Tempos depois fui estudar em Brasília, prestar vestibular para Arquitetura, quem sabe influenciado por esta atmosfera contagiante que foi o impulso criador de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, JK e tantas outras geniais personalidades. Ainda hoje, todas as vezes que retorno a capital federal, emociona-me a Catedral de Brasília, um projeto inspirado na fé, numa comunhão pelo encontro ecumênico de todas as emoções místicas da humanidade, uma casa, onde mora o deus plural.

Não poderia deixar de comentar sobre a consagração explícita na reprodução em larga escala, em todos os todos lugares, das colunas do Palácio da Alvorada. Poderia um arquiteto consagrar-se de uma outra maneira?

No último dia 15 de dezembro de 2007, o arquiteto Oscar Niemeyer completou um século, não apenas batendo o coração, mas com o discernimento e a criatividade em plena forma, ainda querendo ousar e manter viva a sua arquitetura de invenção.

Faz tempo que os argentinos adotaram o João-de-Barro como a ave símbolo, onde é chamado de "hornero" - "Ave de la Patria".

Podemos, nós, por aqui, adotarmos Oscar Niemeyer, como o arquiteto "João-de-Barro".


PS. Não deixe de assistir ao filme curta metragem "O João de Barro", de Humberto Mauro, 1956, 21 minutos.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

ROUBEI POR AMOR AO CINEMA

* Truffaut e Godard


Desde a juventude Godard e Truffaut eram amigos, tinham um único amor a compartilhar: o cinema.


Conheceram-se em 1949, provavelmente, nas sessões dos clubes de cinema freqüentados por eles, junto a André Bazin, Jacques Rivette e outros.


Como críticos de cinema no Cahiers du Cinema, eles integrariam o grupo que formou o movimento cinematográfico denominado "Nouvelle Vague".


É deles o roteiro de “Acossado” (A Bout de Souffle,1960) e que foi dirigido por Jean-Luc Godard criando uma reviravolta na maneira de contar uma história cinematográficamente, pondo de cabeça pra baixo a nouvelle-vague.


Antes, em 1959, Truffaut havia atingido o sucesso de público e crítica com o seu primeiro filme “Os Incompreendidos” (Les 400 coups, 1959), é a história de um menino desprezado e odiado pela mãe e ignorado pelo padrasto. Um filme sobre desprezo, amor, rejeição, afetividade.


Outro dia li uma declaração de Jean-Luc Godard: “Roubei por amor ao cinema”:


“Cheguei mesmo a roubar dinheiro à minha família, para o dar ao (Jacques) Rivette, para o seu primeiro filme. Roubei para ver filmes e para fazer filmes” (“Die Zeit” - nov 2007).


Imediatamente veio a minha memória o filme “A NOITE AMERICANA” (La nuit américaine,1973) de Françoise Truffaut, sobretudo aquela sequencia em que o diretor (interpretado por Truffaut) sonha (em p/b)... menino caminhando na noite pela cidade, encontra um cinema e rouba um pôster de “CIDADÃO KANE” (Citizen kane,1941) de Orson Welles.


O Cinema é a fita que amarra esses personagens notáveis do cinema mundial, porem separados por seus cordões umbilicais, quer dizer, impolutos egos. Na verdade experiências pessoais e familiares o faziam indivíduos distintos. Godard sempre mais racional e reservado, sonegava intimidades sobre sua vida. Truffaut, mas extrovertido, deseja comunicar-se alem das suas origens traumáticas, as periferias de Paris. Truffaut cresceu sob a atmosfera desta carência afetiva.

Apaixona-se pelo Cinema e toma a iniciativa de criar uma sala de exibição de filmes, após diversos fracassos entre a receita e as despesas, endividado e sem poder pagá-las, ele acaba denunciado aos pais pelos credores: 7.850 francos à Guillard. E no meio destas incompreensões, ele é colocado à disposição das autoridades que o internam num reformatório.

O jovem Truffaut é preso por que amava o cinema.


Nos anos 60, quando filmava “Beijos Roubados” (Baisers Volés, 1968), o qual dedica-o “à Cinemateca de Henri Langlois”, Truffaut engaja-se em defesa do curador da Cinemateca de Paris e que havia sido demitido pelo Ministro da Cultura André Malraux, ironicamente foi durante este episódio que a dupla Godard e Truffaut desentendem-se. Mas a separação desta amizade política-cultural tornou-se pública, em 1973.


MAIO 1973

Truffaut encontrava-se no Festival de Cannes para o lançamento do filme “A NOITE AMERICANA” (La nuit américaine,1973), cuja apresentação aconteceu fora da mostra competitiva, após a sessão obteve uma consagração imediata, todos elogiavam o último filme de François Truffaut. Todos, menos um, justamente o seu melhor, quer dizer “ex” - amigo, Jean-Luc Godard, este após assistir ao filme escreve-lhe uma carta explosiva:

"Provavelmente ninguém irá chamá-lo de mentiroso, portanto faço-o eu. Não é uma injúria, como seria chamar alguém de fascista, mas uma crítica, e é da falta de crítica em que nos deixam filmes como esses."


Truffaut consagra-se mundialmente ao fazer “A NOITE AMERICANA” (La nuit américaine,1973), "um filme sobre os filmes"; no início dos anos 60 Godard já havia feito um filme assim, “O DESPREZO” (Le mépris,1963), mas aquele segue na contra-mão da narrativa experimental de Godard. Não que isso venha fazer uma diferença de opostos, ao contrário, assistindo a esses filmes hoje, podemos dizer que eles fazem parte de um mesmo DVD, parte I e II.

O filme “A NOITE AMERICANA” tem seus méritos e qualidades, ele cria uma ponte de cumplicidade com o grande publico, aqueles que amam o cinema como um espetáculo de astros e estrelas, tal como Truffaut, Godard ou qualquer pessoa.


Em “O DESPREZO” Godard entre o enredo sofisticado em que mistura mitologia grega e a industria de cinema, ele nos brinda sem sutilezas e em primeiríssimo plano a nudez da mulher mais desejada do mundo naqueles anos 60, a atriz Brigite Bardot. Enquanto em “A NOITE AMERICANA” (La nuit américaine,1973), temos a atriz Jacqueline Bisset na sua plenitude de beleza, sem cenas escandalosas, mesmo assim a opção de Truffaut é a sua recorrente preocupação com a poesia, memória e o amor absoluto pelo cinema. Neste mesmo filme há uma cena onde o personagem “diretor Ferrand” (interpretado pelo próprio Truffaut) abre um pacote de livros, todos se referem aos grandes cineastas e num gesto continuo joga-os na mesa: Jean-Luc Godard , Hitchcock, Rossellini, Bunuel, Ingmar Bergman, Lubitsch, Bressan, Howard Hawks, Carl Theodor Dreyer...

Da minha parte posso revelar que quando adolescente, em Manaus, "roubava" da loja de comércio do meu pai, barras de sabão, latas de sardinhas, chocolates, garrafas de cachaça e entregava-os nas mãos do Jurandir (Cine Odeon) para poder assistir filmes impróprios à menores de 14 ou 18 anos. Era uma farra.


Roubar por amor ao cinema todos que o amam assim o fizeram. É um filme.



Bibliografia: de BAECQUE, Antoine; TOUBIANA, Serge. François Truffaut: uma biografia. Trad. Clóvis Marques - Rio de Janeiro: Record, 1998.







"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

www.tudoporamoraocinema.com.br

Minha foto
Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.