quarta-feira, 12 de março de 2008

NÓS, ÍNDIOS METROPOLITANOS

“Manaus- AM,11/03/2008 - 17h21”

“Índios são expulsos em reintegração de posse no Amazonas. Indígenas de várias etnias que ocupavam uma área no km 11 da rodovia AM-010 (Manaus-Itacoatiara) foram retirados do local no final da manhã desta terça-feira (11) pela tropa de choque da Polícia Militar do Amazonas. Segundo a Funai local, cerca de 100 índios que vivem na periferia de Manaus estavam em um terreno particular na Lagoa Azul 2 em busca de novas terras. Os indígenas enfrentaram a polícia com paus, pedras e flechas.”

Manaus, a cidade onde nasci, é sem dúvida o lugar ao qual estou essencialmente enraizado.
Ao longo da minha vida tenho visto a cidade se transformar. Na minha infância, a cidade era habitada 200 mil pessoas, na minha adolescência por 300 mil, e na minha vida adulta por 2 milhões de habitantes. Nos últimos quarenta anos, grande parte da sua beleza natural, urbanistica e arquitetonica sofreram enormes alterações.

Nos primeiros anos de aprendizado fui aluno do Grupo Escolar Saldanha Marinho, nas datas festivas cantávamos o hino da cidade: “Manaus terra dos Barés, dos igarapés e rios colossais...”.
Para nós manauaras, os índios eram abstrações genéricas, virtuais. Naquela época ninguém se assumia como descendentes dos povos indígenas, Manaus a capital do Amazonas, era como um enclave, existia literalmente de costas para os rios, para os índios, caboclos e para cidades que compunham os municípios do Estado do Amazonas.

As cidades do interior apesar de fornecerem braços, inteligência, alimento para o físico e para o imaginário, estas, representavam o atraso e o medo de serem identificados como um selvagem.

Era comum ouvir dizer, “aqui não tem mais índios, eles foram extintos”.
Mas com a implantação da Zona Franca (1967), a oportunidade de emprego e de urbanização se tornou um dado concreto, principalmente porque se pagava salário, assinava-se a carteira de trabalho e mais os benefícios advindos desta atividade econômica.

Ao contrário do “interior” aonde predomina até hoje a economia de escambo, predatória do homem e dos recursos naturais. Não existem salários ou qualquer outra conquista das leis trabalhistas.

O homem analfabeto é mandado pra dentro da selva e arrancar o que houver nela pra trocar por açúcar, sal, café, arroz...E para os seus filhos? Eles não vislumbram nenhuma oportunidade que lhes faça sair daquela situação, caso não migrarem para a capital (Manaus).

Com a Zona Franca começaram a aparecer os índios com nome e sobrenome (aqueles que diziam não existir mais) eram liderados por jovens: Álvaro Tukano, Lino Miranha, Dico Sateré-Mawé, Pedro Ticuna, entre outros. Inclusive foram reconhecidos e recebidos pelo Papa João Paulo II quando visitou Manaus (1980).
Os índios de fato existiam, não eram apenas personagens da pesquisa antropológica, eles estavam lá na selva, moravam em suas aldeias, volta e meia apareciam nas cidadezinhas, traziam algum produto da selva pra trocar ou à procura de recursos médicos dos brancos.
Mas quando se descobria em seu território algum recurso natural de valor, logo se tornavam personagens incômodos ao cotidiano urbano: “os índios não podem impedir a passagem do progresso”. Mas o "progresso" não pode extinguir os índios e a floresta amazonica. Expulsos, incomodados ou por questões de logística os Sateré-Mawé, Barés, Miranhas,Ticunas, Tukanos, Baniwas, Tarianas, Dessanas e outros remanescentes das populações indígenas se espalham pelos bairros periféricos da cidade de Manaus.

Mas como eles se relacionam com a cidade e esta com eles?
Aí está uma complexidade do fenômeno faz mais de quinhentos anos.
Um contato que se deu pelo genocídio e depois caminhou para o ecocídio.
O rádio, a televisão e agora a internet lhes alcançam um mundo que até então nem imaginavam existir. E "o interior" foi se esvaziando demograficamente, enquanto que a capital explode em pessoas que chegam não somente dos municípios, do “interior” amazonense, mas tambem de outros “interiores” do Maranhão, Pará...

Mas afinal, qual é a população de índios que vivem em Manaus? Há 20 anos atrás se dizia que eles somavam 10.000, quer dizer, estamos nos referindo aqueles que se assumem etnicamente como índios. A COIAB, a associação indígena, os calcula em mais de 20.000. Diante destes dados a população mais que dobrou. Ainda temos que considerar que é no Estado Amazonas onde se encontra a maior população indígena do Brasil E mais, é neste estado que existem ainda 53 tribos indígenas não-contatadas.

Os povos indígenas, antes bandeira de luta contra a ditadura, hoje expressam exatamente a mesma realidade da população pobre brasileira, a luta pela existência, por um pedaço de terra, por um punhado de farinha e água. A selva encontra-se invadida por múltiplos interesses, tornou-se uma armadilha para a vida dos povos da floresta, caso decidam ficar:

“E se somos Severinos iguais em tudo na vida,morremos de morte igual,mesma morte severina:que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,de emboscada antes dos vinte,de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade,e até gente não nascida).”

Conforme o clássico poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, escrita para os nordestinos sem-destinos. Estes que fugiram para a Amazônia, hoje eles se igualam a busca dos povos indígenas que lutam por um pedaço de terra. Justamente aquela terra cantada no hino da cidade, “terra dos Barés”... Hoje, eles miseravelmente, cercam a cidade de Manaus.

Os povos da floresta transformaram-se em “índios metropolitanos”.
No início do século XVIII quando os portugueses pretendiam firmar-se na margem esquerda do rio Negro, e aí construir um forte e que deu origem a cidade de Manaus, encontravam-se habitando nesse lugar várias tribos indígenas. Essa obstinação de conquista colonial transformou-se numa guerra. A famosa resistência dos índios Manaú, liderados pelo lendário cacique Ajuricaba, que durou dez anos. Os portugueses reagiram , resultando na morte de vinte mil índios, na prisão e assassinato do líder Manaú (Manaos) Ajuricaba.

O índio quer apito, se não der, pau vai comer...


Evoé índios metropolitanos, ops, terráqueos!

terça-feira, 11 de março de 2008

PALAVRAS DA TRIBO


PALAVRAS DA TRIBO
Aníbal Beça © poeta amazonense

“ Se quiseres ser poeta, cria obras capazes de responder ao desafio de tempos apocalípticos”. (...)” Manifesta-te! Mobiliza-te! O silêncio é cumplicidade”. Lawrence Ferlinguetti

Quem há de me culpar
pela omissão
se irado sentimento
me exaspera
aos gritos dessas vozes
sem mais cores
de êxtase desbotado
em desespero
tangendo um tanto cedo as muitas dores
do verde esmaecido
da floresta
da gente antiga expulsa de arredores
que eram posses das tribos
desde sempre.

Eu vi meninos vi
os nossos índios
curumins, as cunhãs,
velhos guerreiros
degradados, pedintes, invasores
esbulhando terrenos
de terceiros
à mercê da justiça
e seus valores.

Então me perguntei:
“Que poesia
escrever nesse tempo de ruínas?”

Se me calo alguém logo
já me enquadra
como poeta cúmplice da farsa
engagée
anacrônico
ecochato

Ah, mas a flecha em chama da palavra
retesa em arco trágico
dispara
e vai e atinge o alvo
do silêncio.

Adeus lirismo!
Sangra meu repúdio.

Manaus 09/03/2008 (Amazonas EmTempo)

quinta-feira, 6 de março de 2008

DO CIPÓ AO CHIP











ARTE PELA AMAZÔNIA - ARTE E ATITUDE


Sob a curadoria de Ricardo Ribenboim, este evento cultural reúniu 150 dos principais nomes de nossa produção contemporânea, cujas obras foram doadas para serem leiloadas numa tomada de posição política dos artistas frente à questão ambiental, a mais candente deste início de século.

Expostas no terceiro pavimento da Bienal de São Paulo (Parque do Ibirapuera) entre os dias 04 a 30 de março, o público pode ter a rara oportunidade de conhecer a inacreditável variedade da produção artisticas de todo o Brasil - fotos, pinturas, desenhos, esculturas, instalações e a sensação inusitada de poder se reconhecer nestas criações.

Participei com uma instalação multimídia sobre o guaraná:

"do cipó ao chip".










DOC ON-LINE


http://www.doc.ubi.pt

A edição número 3 desta revista digital de cinema documentário traz o tema “documentário e antropologia”. A revista tem como editores Marcius Freire, da UNICAMP/Brasil e Manuela Penafria, da Universidade da Beira Interior/ Portugal.

Façam uma visita para conhecê-la, e aproveitem em “análise e crítica de filmes” a leitura do meu comentário sobre o documentário "Santiago", de João Moreira Salles.

“SANTIAGO F FOR FAKE”, foi postada, ano passado, neste BLOG CEUVAGEM.

"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

www.tudoporamoraocinema.com.br

Minha foto
Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.