sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

MARIA SCHNEIDER - LAST TANGO IN PARIS




Morreu no ultimo dia 03 de fevereiro a atriz Maria Schneider(1953-2011), mesmo que tenha feito outros filmes, inclusive o clássico "Passageiro: Profissão Repórter" (1975) de Michelangelo Antonioni onde contracenou com Jack Nicholson ela marcou presença no céu de estrelas ao interpretar a ninfeta no "Último Tango em Paris" (1972) de Bernardo Berttolucci e tendo como par o quarentão Marlon Brando. O filme foi no mínimo um escândalo, mesmo que tenha sido produzido no calor daqueles anos marcado pelo "Amor Livre", mesmo assim havia muitos tabus quanto aos segredos de alcova, e na medida que se formava uma onda de opinião a respeito das tórridas cenas de sexo, as expectativas sobre o filme alcançava decibéis do sucesso, e não deu outra, ao estrear nos Estados Unidos e Paris o público formava filas, as salas de cinema ficaram abarrotadas. Mas não acontecia somente isso, a opinião pública conservadora insistia em denunciar o filme como pornográfico, mas isso só fazia aumentar um enorme interesse do público.

Num apartamento vazio e sem maiores peculiaridades, a sacanagem rola à solta entre aquele homem maduro (o qual não consegue dissociar da imagem de um dos maiores mitos do cinema) e aquela garota com olhos e bochechas infantis.

Como Brando diz “ninguém tem nome aqui”, “não quero saber nada sobre você, nada!”, “vamos nos esquecer de tudo que sabíamos”. Brando com o seu timbre de voz característico alterna nesta relação o papel de dominador e dominado, enquanto na antológica sequencia do tablete de manteiga sussurra provocativamente nos ouvidos da ninfeta:

“Segredos de família? Vou lhe contar uns segredos de família. Repita. Sagrada família, abrigo de bons cidadãos... As crianças são torturadas até aprenderem a contar a primeira mentira... Onde o mundo é violentado pela repressão... Onde a liberdade é assassinada pelo egoísmo. Ah, meu deus, Jesus”.

Em 1973 encontrava-me em Buenos Aires, num cinema da cidade estava em cartaz o filme “Último Tango em Paris”,proibidíssimo no Brasil, tinha status de “sala vip”, somente os brasileiros que conseguiam viajar para o exterior, estes, contavam (com certo ar de privilegiado) a sua versão do filme aos patrícios enclausurados. Esses relatos resumiam-se menos pelas qualidades cinematográficas do filme e muito mais pelas cenas arrojadas do ator-mito hollywodiano Marlon Brando sodomizando e deixando-se sodomizar-se por uma ninfeta (Maria Schneider). Numa espécie de acerto de contas com “Lolita”, aqui “o professor” (Brando) recém viúvo (a sua mulher suicidou-se sem ao menos deixar-lhes os motivos).

Logo no início fico instigado com os letreiros montados ao lado de uma pintura do artista inglês Francis Bacon, “Double Portrait of Lucian Freud and Frank Auerbach”, a dramaticidade dos corpos, parecem em carne viva com os músculos retorcidos dando uma deformidade sedutora na expressão dos rostos. Na sequencia fico surpreendido com um homem (Brando) angustiado caminhando no piso abaixo da linha do metrô e ele num desabafo diz “meu deus do céu!”. O seu rosto é uma máscara de choro e por ele, cruza ao acaso a personagem que fará par do casal de desesperados em saciar o vazio com sexo misturado à sedução e rejeição. Esse casal como fosse a própria expressão deformada dos músculos em carne viva encontradas neste trabalho de Francis Bacon.

Não poderia existir um melhor lugar para assistir esse filme, senão em Bueños Aires... Daí não poder esquecer a hilária sequencia do concurso de tango, enquanto Brando e Maria Schneider invadem o salão de dança numa irreverente desconstrução a coreografia do tango... Toda essa história é embalada pela trilha musical aonde a melancolia do tango-jazz composta pelo músico franco-argentino Gato Barbieri, em que ele próprio toca o saxofone dando ao filme uma atmosfera de grande força sensual.

Mas não era somente no Brasil onde o filme sofreu ataques de inquisores, no país nem mesmo havia o direito ao "habeas corpus".Na Inglaterra os censores encurtaram a sequencia de sodomia. Na Itália, Bertolucci e o conservadorismo travaram uma batalha que liberou o filme a exibição somente em 1975, mas mesmo assim uma semana depois a policia confiscou todas as cópias e Bertolucci foi processado por obscenidade. E para coroar esses abusos a Suprema Corte Italiana ordenou que todas as cópias fossem destruídas. Bernardo Bertolucci foi condenado a 4 meses de prisão, setença suspensa, teve seus direitos civis e políticos cassados por 5 anos. Somente em 1997, ou seja, 15 anos depois o Ultimo Tango em Paris pode finalmente ser exibido integralmente na Itália.

Desde então o mundo ficou cada vez mais conservador e muito mais hipócrita haja visto como se encontra a Itália de Belusconi e Cia.

3 comentários:

Vera Nilce disse...

Li um monte sobre a morte de Maria Scnheider mas voce foi fantástico relembrou toda a história do filme e sua repercussão em uma época em que se brigava pela liberação sexual mas a repressão política impunha censuras a filmes, peças teatrais (enfim à cultura).

AURÉLIO MICHILES disse...

...o pessoal optou em cultivar as pseudo-intrigas pessoais destes contra aqueles, pura s'indrome das "celebridades", mas este filme é muito mais... fala de coisas, das coisas e sobre coisas, a caretice, a mediocridade e a hipocrisia campeiam.

Regbit disse...

assisti em NY junto com Nando Cosac, estava proibido no Brasil. Recordar é muito bom.

"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

www.tudoporamoraocinema.com.br

Minha foto
Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.