segunda-feira, 26 de setembro de 2016

AQUARIUS - O FILME



Depois de ler o comentário analítico (?) econômico(?) de Samuel Pessôa (Folha SP, Mercado, 25.09.2016) sobre o filme "Aquarius", sou levado a concordar com o crítico Luiz Zanin: 

"Não há surpresa no fato de Aquarius começar a ser desconstruído pelo pensamento de direita". 

A princípio goste-se ou não de qualquer filme, mas quando uma determinada produção brasileira é insistentemente assediada por eventos atípicos, como neste caso, o filme deixa de ser filme para ser uma referência explícita para se discutir o país. Que bom! Mas, neste caso, como se trata de um economista fiel seguidor do neoliberalismo e que inclusive já defendeu publicamente o fim do "salário mínimo", pergunta-se, o por que desta sua preocupação sobre o filme "Aquarius" de Kleber Mendonça Filho? 

Pessôa, faz uma análise do filme como se ele fosse uma produção da verdade absoluta do nazi-fascismo, do realismo-socialista ou do cinema-verdade. O filme pode ser realista, mas, Aquarius, como o próprio título nos faz remeter, é uma metáfora da "Era de Aquarius"- a geração da protagonista Clara (Sonia Braga). 



Ela apesar de ter todas as condições de se aproveitar da oportunidade, aliás, opção feita por todos os outros moradores do edifício, estes inclusive se encontram insatisfeitos com a "teimosia" desta senhora viúva, aposentada e que poderia viver de rendas numa boa. Mas, não, é uma "empata-foda" do incorporador, do jovem e ambicioso arquiteto sem escrúpulos, da filha (filhos?). Clara, constrange e intriga.

"Aquarius" escancara o Brasil, este país abençoado por deus e pela natureza, mas que decepciona os brasileiros todos os dias com sua persistência na hipocrisia da democracia racial e suas idiossincrasias. O Brasil e a Era de Aquarius decepcionaram, mas Clara, ao contrário, é uma sobrevivente que optou pela preservação da memória. É o Brasil misturado, o bom gosto com o espontâneo, ouve-se de tudo do brega ao erudito, as festas e os rostos das pessoas revelam um Brasil múltiplo, branco, mestiço, mulato. Não é o Brasil europeu ou europeizado. 

Clara, é uma metáfora, ela preserva a memória e insiste nesta memória enquanto todo mundo deseja esquece-la... Encontram-se hipnotizados pela religião do consumo, daí ela, Clara, ser uma personagem que é chata por que incomoda. Samuel Pessôa e tantas outras que seguem o mesmo pensamento conservador, querem tangenciar esta metáfora. Por fim, diria, Clara é uma sobrevivente em todos os sentidos do câncer, dos cupins e a extinção das referências físicas da memória. Como enfrenta-los? O neto e a sua namorada seriam um cadinho da memória a ser preservada (haveria esperança?).


Quanto as análises neoliberais de Samuel Pessôa, ele como economista em vez de tentar explicar o filme, poderia nos fazer compreender, caso o Mercado seja a solução, por que a Argentina que privatizou de um tudo encontra-se, desde então numa chatice de amargar. O Chile, o berço do experimento neoliberal, volta atrás e institui o ensino gratuito e tenta desprivatizar a previdência social. Ou por que nos EUA a crise solapa as conquistas do "american way of life" com o desemprego sempre crescente, a miséria ressurgindo e com ela inclusive o analfabetismo?  Como acontece no final do filme "O Grande Jogo" (The Big Shot), baseado em fatos reais. Justamente sobre a quebradeira da oferta no mercado imobiliário - subprime, empréstimos concedidos a clientes que não tinham boa avaliação de crédito nos EUA. Ou seja, pessoas que, antes, não conseguiam financiamento para casa própria. Como os juros americanos estavam em patamar muito baixo (em 2003, a taxa anual era só de 1%) e a economia vinha crescendo com força, os bancos passaram a atender esses clientes em busca de retornos maiores. A inadimplência estourou a bolha e com ela aconteceu a quebradeira geral - a crise financeira de 2008, nos EUA. Os cupins literalmente corroeram os pornográficos ganhos dos especuladores rentistas.

Ao final, os bancos foram socorridos por quem? Pelo mercado? Não, claro que não, foram salvos pelo governo, pelos recursos públicos. No diálogo final do filme "A Grande Aposta" isso fico ainda mais claro:

"Vinnie Daniel - A festa acabou."
"Marck Baum - Sei lá...Sinto que em poucos anos farão o que sempre fazem quando a economia vai para o buraco: culparão os imigrantes e os pobres." 

Quanto a "Era de Aquarius", ainda é uma referência que se acreditava em transformações coletivas. Para muitas pessoas isso continua como uma chata alternativa de vida.



Em Tempo: Na cidade do Rio de Janeiro, anos 70, na era "sergio dourado incorporador", eles tiveram que enfrentar realisticamente uma senhora viúva moradora de um prédio na fronteira dos bairros de Copacabana com o Leme - a "teimosa e chata", permaneceu sozinha como a única moradora até morrer.

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"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.