FRAGMENTO ARQUEOLÓGICO
"Ao quebrar a palavra arqueologia no original em grego podemos chegar a “discurso antigo”, ou “estudo do poder”. Na raiz da palavra está presente o conceito de arqueologia afetiva, algo que vai além de estudar fragmentos para descobrir a história de antigas civilizações.
Registros da ocupação humana da Amazônia datam de aproximadamente 20.000 anos, muito antes da chegada do homem europeu. Já havia na selva culturas, memórias e histórias. Um passado que hoje parece cada vez mais esquecido, talvez condenado a desaparecer.
O fragmento arqueológico, contribuição de Aurélio Michelis, é ao mesmo tempo arqueologia afetiva de Aurélio e resgate do passado pré-colombiano de sua Amazônia natal. A peça, junto com diversas outras, foi doada a Aurélio, menino curioso, pelo padre da paróquia onde ele era coroinha. Sem entender a importância e o significado dos objetos que recebeu, o menino cresceu e construiu outras memórias. Foi estudar em Brasília, formou-se arquiteto, mas não perdeu contato com Manaus, a cidade em que nasceu e onde seus pais continuaram vivendo.
Nos últimos dias de vida do pai, Aurélio, ao lado do filho e da esposa, foi visitá-lo. Em um estado já avançado de Alzheimer, o velho perguntou à mãe de Aurélio quem era aquele homem. Para consolar o filho e relembrá-lo do amor que o pai tinha por ele, a mãe de Aurélio resgatou uma mala de objetos que haviam ficado esquecidos. Nessa hora a arqueologia afetiva se uniu à história milenar dos povos amazônicos.
Dentro da mala, entre diversos objetos pessoais da infância, estavam os fragmentos arqueológicos. Depois de pesquisar a origem dos objetos, Aurélio Michiles descobriu que eram pedaços de urnas funerárias indígenas. Ficou marcada a discrepância entre o capitalismo desenfreado que sempre viu a Amazônia como um vasto território inabitado e as culturas dos povos pré-colombianos.
Por hora, o Alzheimer racional que acomete nossa sociedade opta por passar por cima da sabedoria dos que habitam e habitavam a selva. Ao contrário do pai de Aurélio que se esqueceu do passado sem saber, o desprezo coletivo pela arqueologia dos povos tradicionais é deliberado e quase premeditado.
Aurélio Michiles, cineasta, documentarista, diretor de "O Cineasta da Selva". Sempre em busca de vestígios, não só arqueológicos, mas da arqueologia do saber, da afetividade.
Como um arqueólogo de imagens, os filmes de Aurélio Michiles contam histórias reais de grandes figuras do cinema, de lugares e utopias, passando muitas vezes pela Amazônia e a sabedoria ancestral contida na selva."
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