MOSTRA DE CINEMA FOTOCINE
CENTRO CULTURAL CORREIOS - RIO DE JANEIRO, junho/julho 2011
PALESTRA
A aventura do cinema é uma viagem que vai da invenção da fotografia no século XIX as imagens virtuais do século XXI, desde então temos testemunhado e revelado ações que despertam na humanidade paixão e horror.
Entre os anos de 1920/22 Silvino Santos sozinho percorreu milhares de quilômetros na selva e cidades da Amazônia para contar a sua epopéia maravilhado com a exuberância daquela natureza. Tanto na captação das imagens, na montagem como no improviso em apropriar-se dos resultados do seu trabalho, quando ousou improvisar um laboratório no oco de uma grande árvore ou quando solucionou (depois de varias tentativas frustradas) adaptar uma câmera num aeroplano para se conseguir registrar a primeira tomada aérea da Floresta Amazônica. Tudo isso entre as décadas de 10 e 20 do inicio século passado. Um pouco depois outros realizadores também maravilhavam-se e maravilhavam-nos com suas proezas inventivas, aqui refiro-me a Dziga Vertov quando realizou o documentário “O Homem da Câmera”, em 1929 e a ficção de Buster Keaton, “The Cameraman” (aqui no Brasil chama-se “O Homem das Novidades”), de 1928. Tanto um como outro é uma celebração da invenção do cinema, através da câmera/fotografo, tanto um como outro faz uma desconstrução do enquadrar, montar, contar. O filme dentro filme, todos eles influenciam e são influenciados pela vanguarda do pensamento artístico do inicio do século XX. Existe uma curiosidade no filme de Vertov – O Homem da Câmera – se trata na verdade de um produto de propaganda do Estado Soviético para a criação do novo Homem, mas esta encomenda não diminuiu e nem intimidou o arrojo criativo e inventivo de Dziga Vertov.
Uma outra curiosidade que podemos observar é uma coincidência (homenagem?) nos filmes “The Cameraman”de Buster Keaton e “Blow Up” (1966) (Depois daquele Beijo) de Antonioni. No filme de Keaton (lembro filmado em 1928) tem uma sequência aonde Buster Keaton joga beisebol sem bola, sem adversário e num estádio vazio. Esta mesma cena podemos assistir numa das ultimas sequências de Blow Up. Um grupo circense invade uma quadra de tênis e numa performance de mímica jogam sem bolas. Num lance a bola sai da quadra, cai no gramado (close ), o protagonista-Fotografo, a principio reage sem entender, mas logo em seguida, ele, como um fotografo, captador de percepções subjetivas deveria entrar no jogo das ilusões. Vai até a bola-imaginária, apanha-a e joga em direção do tenista. Daí concluir que Michelangelo Antonioni desejou homenagear Buster Keaton, o homem que não ria, mas que nos fazia rir, naquele filme “The Cameraman, filmado 38 anos antes.
“Hiroshima, mon amour” é uma metáfora sobre muitos dos nossos mais íntimos pesadelos, daqueles que nos faz pensar no significado da existência - a nossa diminuta existência neste universo. Alain Resnais conseguiu transformar em imagem aquilo lhe foi sugerido em roteiro, ou seja, as palavras articuladas e impressas no papel nos fazem viajar imaginação adentro e estas por si mesmas podem se transformar num torpedo transformador. E aí surge o desafio em se fazer a mistura das palavras impressas com imagens em movimentos, ditas por atores se articulando dentro de uma realidade cênica, sob luz e sombras. Isto pra mim é o cinema, e é exatamente o que podemos assistir neste clássico do cinema mundial: “Hiroshima, mon amour”.
Este fato histórico que humilhou um povo, uma nação, mas deixou perplexa a inteligência humana e sua capacidade implacável da autodestruição. Este filme fala da morte sem cerimônias, a morte vinda da luz atômica - gênesis-Káos-pertubador, a origem de tudo, inclusive do Ódio e do Amor. Neste cenário devastador na cidade de Hiroshima tem como um das muitas cosequencias o encontro de duas pessoas, um homem e uma mulher, um arquiteto japonês e uma atriz francesa que foi vítima de outro tipo de violência, mas que tem a mesma origem: a guerra.
O início do filme é uma tela escura. Aqui a fotografia é um quase-nada, uma não fotografia. Logo nossa percepção visual é levada a identificar algo estranho. Detalhes de corpos? Humano? A pele é rugosa, perigosamente brilhante.
ELE - “Não, você não viu nada de Hiroshima.”
ELA - “Eu vi.”
ELE - “Não, você não viu, Hiroshima.”
Antes de contar simplesmente a destruição de uma cidade e a sua população, a história do filme é uma trama onde a memória poderia ser o NADA, mas que por trás, poder-se-ia revelar TUDO: a perturbadora memória individual daqueles dois personagens se revela experiências coletivas: Dor, doçura e afeto.
EROS É (Á) VIDA
O que é, o que é uma bela foto?
O que é, o que é uma bela fêmea?
Eu não sei.
O que é, o que é uma pintura Abstrata?
O que é, o que é uma pintura Figurativa?
Eu não sei.
Eu só faço não-abstrações.
Se hoje eu tomo partido,
amanhã é preciso que eu me contradiga.
A perseguição da liberdade e do prazer
apaga todas as idéias. Se há
contradição pouco importa.
Uma linha, um triângulo, um cara
um ovo, são todos bons como ponto
de partida para a aventura.
Eu sempre cobiço aqueles para quem uma
obra é um (miss)teria.
(trad. Matinas Suzuki Jr.)
Aurélio Michiles, junho 2011.
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