terça-feira, 20 de setembro de 2011

MOSTRA DE CINEMA - FOTOCINE


MOSTRA DE CINEMA FOTOCINE

CENTRO CULTURAL CORREIOS - RIO DE JANEIRO, junho/julho 2011

PALESTRA

A aventura do cinema é uma viagem que vai da invenção da fotografia no século XIX as imagens virtuais do século XXI, desde então temos testemunhado e revelado ações que despertam na humanidade paixão e horror.

Pela permanência da fotografia e do cinema em nossas vidas, podemos afirmar que as imagens se transformaram numa espécie de segunda pele do Homem. Tal é a quantidade de imagens gravadas cotidianamente em nossos cérebros.

Ao longo da sua existência a atividade cinematográfica tem sido uma das mais poderosas armas de dominação - elas têm exercido o fascínio para se ser outro que não “você” mesma, conseguintemente vive-se numa espécie de rede imaginária da história.

É bom lembrar que o fascínio pelas imagens sempre influenciou o imaginário dos homens, desde as nossas origens (artes, ciência, filosofia, religião).

As famosas sombras projetadas nas cavernas onde habitavam nossos ancestrais reinventaram-se no Cinema, e este, mesmo quando ainda era silencioso, já exercia a magia da luz e sombras.

Todas as vezes que sou levado a pensar na fotografia de cinema, por exemplo, surge como referencia vários filmes e um notável acontecimento que marcou a minha vida, daqui por diante vou tentar compartilhar com vocês. Evidentemente na primeira fila da memória encontra-se esse extraordinário fotografo, cineasta da Amazônia, Silvino Santos, ao lado dele Dziga Vertov, Buster Keaton, Orson Welles, Alain Resnais e Michelangelo Antonioni, mas o que cada um destes realizadores tem haver um com outro, sinceramente tudo haver.

Silvino Santos , ao contrário daqueles cineastas citados, ainda necessita ser mais considerado pela sua filmografia de documentários. O interessante que todos eles Santos, Vertov, Keaton, Welles, Antonioni, Resnais fazem parte de um mesmo universo de descobertas, apesar de Antonioni como Resnais serem um pouco mais jovens, mesmo assim eles se encontram também estimulados tanto pelo pioneirismo como pela invenção da linguagem cinematográfica.

Entre os anos de 1920/22 Silvino Santos sozinho percorreu milhares de quilômetros na selva e cidades da Amazônia para contar a sua epopéia maravilhado com a exuberância daquela natureza. Tanto na captação das imagens, na montagem como no improviso em apropriar-se dos resultados do seu trabalho, quando ousou improvisar um laboratório no oco de uma grande árvore ou quando solucionou (depois de varias tentativas frustradas) adaptar uma câmera num aeroplano para se conseguir registrar a primeira tomada aérea da Floresta Amazônica. Tudo isso entre as décadas de 10 e 20 do inicio século passado. Um pouco depois outros realizadores também maravilhavam-se e maravilhavam-nos com suas proezas inventivas, aqui refiro-me a Dziga Vertov quando realizou o documentário “O Homem da Câmera”, em 1929 e a ficção de Buster Keaton, “The Cameraman” (aqui no Brasil chama-se “O Homem das Novidades”), de 1928. Tanto um como outro é uma celebração da invenção do cinema, através da câmera/fotografo, tanto um como outro faz uma desconstrução do enquadrar, montar, contar. O filme dentro filme, todos eles influenciam e são influenciados pela vanguarda do pensamento artístico do inicio do século XX. Existe uma curiosidade no filme de Vertov – O Homem da Câmera – se trata na verdade de um produto de propaganda do Estado Soviético para a criação do novo Homem, mas esta encomenda não diminuiu e nem intimidou o arrojo criativo e inventivo de Dziga Vertov.

Uma outra curiosidade que podemos observar é uma coincidência (homenagem?) nos filmes “The Cameraman”de Buster Keaton e “Blow Up” (1966) (Depois daquele Beijo) de Antonioni. No filme de Keaton (lembro filmado em 1928) tem uma sequência aonde Buster Keaton joga beisebol sem bola, sem adversário e num estádio vazio. Esta mesma cena podemos assistir numa das ultimas sequências de Blow Up. Um grupo circense invade uma quadra de tênis e numa performance de mímica jogam sem bolas. Num lance a bola sai da quadra, cai no gramado (close ), o protagonista-Fotografo, a principio reage sem entender, mas logo em seguida, ele, como um fotografo, captador de percepções subjetivas deveria entrar no jogo das ilusões. Vai até a bola-imaginária, apanha-a e joga em direção do tenista. Daí concluir que Michelangelo Antonioni desejou homenagear Buster Keaton, o homem que não ria, mas que nos fazia rir, naquele filme “The Cameraman, filmado 38 anos antes.

Poderíamos falar e falar sobre tantos outros filmes, mas vou apenas citar um dos meus preferidos, refiro-me ao filme-limite da ficção e documentário “F for Fake” de Orson Welles, filmado em 1973. Logo na primeira sequencia vemos Orson Welles exibindo mágicas para uma maravilhada criança diante do seu numero de ilusionismo. Em seguida, Welles revela do que se trata “F for Fake” (Verdade e Mentiras): “um filme sobre trapaça e fraude”. Ora, mas o cinema não é isso mesmo? Uma extensão das nossas percepções reais para o mundo imaginário - um refúgio. Ao longo da sua existência tanto a fotografia e o cinema tem servido para isso mesmo:

“-Está contada a minha história, verdade ou imaginação....”canta o cancioneiro do sertão.

E por ultimo gostaria de destacar o filme “Hiroshima, mon amor”, dirigido por Alain Resnais em 1959. Todos estes filmes de cineastas recordados aqui, não é apenas uma mera lembrança sobre mais um filme de todos aqueles que assistimos ao longo da vida, mas particularmente este filme ainda hoje mexe comigo.

“Hiroshima, mon amour” é uma metáfora sobre muitos dos nossos mais íntimos pesadelos, daqueles que nos faz pensar no significado da existência - a nossa diminuta existência neste universo. Alain Resnais conseguiu transformar em imagem aquilo lhe foi sugerido em roteiro, ou seja, as palavras articuladas e impressas no papel nos fazem viajar imaginação adentro e estas por si mesmas podem se transformar num torpedo transformador. E aí surge o desafio em se fazer a mistura das palavras impressas com imagens em movimentos, ditas por atores se articulando dentro de uma realidade cênica, sob luz e sombras. Isto pra mim é o cinema, e é exatamente o que podemos assistir neste clássico do cinema mundial: “Hiroshima, mon amour”.

“Hiroshima, mon amour” de Resnais é sobre um apocalíptico choque brutal. A perda absoluta de tudo, a negação da existência, a vida invertida.

Este fato histórico que humilhou um povo, uma nação, mas deixou perplexa a inteligência humana e sua capacidade implacável da autodestruição. Este filme fala da morte sem cerimônias, a morte vinda da luz atômica - gênesis-Káos-pertubador, a origem de tudo, inclusive do Ódio e do Amor. Neste cenário devastador na cidade de Hiroshima tem como um das muitas cosequencias o encontro de duas pessoas, um homem e uma mulher, um arquiteto japonês e uma atriz francesa que foi vítima de outro tipo de violência, mas que tem a mesma origem: a guerra.

O início do filme é uma tela escura. Aqui a fotografia é um quase-nada, uma não fotografia. Logo nossa percepção visual é levada a identificar algo estranho. Detalhes de corpos? Humano? A pele é rugosa, perigosamente brilhante.

Na atmosfera fotográfica deste quase-nada de “Hiroshima, mon amour” somos apresentados finalmente ao casal, eles se encontram justamente na cidade que foi destruída com a explosão e reduzidas as cinzas por “mil sóis”, essas lembranças os atormenta, mas o lugar que foi cenário de extremo ódio e horror agora se faziam contraditoriamente ambiente aconchegante para o amor. No quarto de hotel, após fazerem sexo, o homem asiático e a mulher européia trocam confidências:

ELE - “Não, você não viu nada de Hiroshima.”

ELA - “Eu vi.”

ELE - “Não, você não viu, Hiroshima.”

Antes de contar simplesmente a destruição de uma cidade e a sua população, a história do filme é uma trama onde a memória poderia ser o NADA, mas que por trás, poder-se-ia revelar TUDO: a perturbadora memória individual daqueles dois personagens se revela experiências coletivas: Dor, doçura e afeto.

E é este recado de extrema criatividade que Alain Resnais nos guia ao longo do filme, numa reunião perfeita entre roteiro (palavras/Marguerite Duras), atores (gestos/Emanuelle Riva e Eiji Okada), ambientação cênica (fotografia/Sacha Vierny e Takahashi Michio).

E aqui encerro declamando uma poesia de Man Ray em homenagem a Silvino Santos, Dziga Vertov, Buster Keaton, Orson Welles, Alain Resnais e Michelangelo Antonioni:

EROS É (Á) VIDA

O que é, o que é uma bela foto?

O que é, o que é uma bela fêmea?

Eu não sei.

O que é, o que é uma pintura Abstrata?

O que é, o que é uma pintura Figurativa?

Eu não sei.

Eu só faço não-abstrações.

Se hoje eu tomo partido,

amanhã é preciso que eu me contradiga.

A perseguição da liberdade e do prazer

apaga todas as idéias. Se há

contradição pouco importa.

Uma linha, um triângulo, um cara

um ovo, são todos bons como ponto

de partida para a aventura.

Eu sempre cobiço aqueles para quem uma

obra é um (miss)teria.

(trad. Matinas Suzuki Jr.)



Aurélio Michiles, junho 2011.

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Minha foto
Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.