quinta-feira, 27 de maio de 2010
BRASÍLIA: UM DESABAFO
ALMANAKITO (22-04-10) de Maria do Rosário Caetano
Parabéns a Ed Ferreira, Dida Sampaio e, parcialmente, a Luiz Felipe Alencastro
Dediquei minha noite ontem aos jornais (de papel) e aos telejornais que deram destaque especial (e merecidíssimo) a Brasília cinquentona. Li um pouco do caderno especial do Estadão, um pouco do da Folha e um pouco do Globo. Vi vários telejornais. Fiquei emocionada de ver milhares de brasilienses nas ruas (creio que meus filhos, brasilienses e flamenguistas convictos) estavam lá no meio.
No Estadão, me comovi com duas fotos em especial: uma, de ED FERREIRA, dá uma aérea nas tesourinhas do sistema viário do Eixão e Eixinhos. Obra-prima, foto geométrica, uma obra de arte. A outra, belíssima, Dida Sampaio, mostra uma das pontes do Lago Paranoá banhada em neon, parecendo cena do filme do Coppola (O Fundo do Coração). Parabéns aos dois. Eles fizeram minha saudade de Brasília (onde passei 25 de meus quase 55 anos, onde estudei na UnB e onde nasceram meus filhos) aumentar.
No mesmo Estadão, li matéria de LUIZ FELIPE ALENCASTRO, um cientista a quem respeito muito. O artigo dele é excelente, mas merece um reparo. Ele diz que Brasília convinha aos militares (que comandaram o Golpe de 64) -- aliás, a mesma tese do artigo do Ruy Castro, na Folha -- por não ter uma sociedade civil mobilizada e reivindicadora.
Verdade PARCIAL.
Infelizmente, Brasília só é vista como centro político do país, sede do Congresso Nacional. Só que a cidade tem 2,5 milhões de habitantes.
A cidade-Congresso Nacional tem dez mil "habitantes".
Menos de 600 parlamentares, maioria absoluta vinda de fora. Há, no Congresso, gente honestíssima, gente desonesta, gente de todo tipo. Mas voltando ao ALENCASTRO: Brasília reagiu, sim (e na medida do possível), aos desmandos militares. Em 1965, 200 professores (entre eles Paulo Emílio Salles Gomes) deixaram a UnB num ato de protesto político.
Em 1968, a UnB foi invadida por tropas militares, pois os estudantes REIVINDICAVAM, lutavam contra a ditadura. Isto numa cidade que nascia (tinha 8 anos!), se estruturava no meio da poeira e das obras. Honestino Guimarães, líder estudantil da FEUB (Federação Universitária de Brasília) foi assassinado. Em 1976/77, minha geração enfrentou -- na UnB -- o reitor-físico nuclear-capitão-de-mar-e-guerra (e, pelo que se dizia, agente do CENIMAR),
José Carlos de Almeida Azevedo, com garra espantosa.
A Universidade não foi invadida como em 68, mas foi cercada.
Fizeram um cordão de isolamento para que não entrássemos (quando cheguei de manhãzinha, para fazer piquete, me tiraram do carro de amiga que me dava carona e me colocaram num camburão. Levaram-me para um quartel improvisado: lá encontrei duas estudantes de Medicina, mais experientes -- eu era apenas uma tarefeira ingênua --: Maite e Arlete Sampaio, que depois seria vice-governadora de BSB, na gestão Cristovam). Fui solta à noite. Um ano antes, o Paulão da Geologia (o hoje ministro do Planejamento, Paulo Bernardo) foi expulso da UnB, com mais seis colegas. Na nossa greve (1977), fomos expulsos 30 estudantes. 90 pegaram suspensão de 90 e 60 dias (inclusive Helinho Lopes, meu ex-marido). Nosso movimento foi capa da Istoé da época do Mino Carta. Mas não tem jeito. De Brasília, a grande imprensa só irradia a POLITICA (ou melhor, a FUTRICA) PARTIDARIA. E, para azar da cidade,
Joaquim Roriz, em quatro governos, plantou um sistema de contaminação do LEGISLATIVO distrital e do Judiciário, que está DIFICILIMO de desmontar.
SILVIO TENDLER, meu amigo, que vem aí com "UTOPIA E BARBARIE", fez um filme para a Fundação Roberto Marinho, sobre a UNE. Só colocou imagens do Movimento Estudantil do Rio (70%), de SP (25%) e da Bahia (5%). De Brasília, 0%. Os grandes jornais e revistas brasileiros são paulistas e cariocas. Contam a história a partir do ponto-de-vista do planalto paulista e do litoral do lindo balneário. Por sorte, começam a sair livros e filmes que tentam matizar a história social-e-política brasileira nos últimos 50 anos. A imprensa carioca odiava Brasília, porque ela lhe tirava o título (e os privilégios) de capital federal.
A paulista (foi o empresariado de SP que ganhou com a construção de Brasília, enquanto o Rio chorava!) aproveitava a bonança. Sou mineira e vivi em MG por 15 anos.
Passei 25 em Brasília e estou há quase 15 em SP. Por que deixei Brasília, se amo tanto a cidade? Por causa do Zanin, um paulistano da Avenida Paulista e da Aclimação. Mas meus filhos quiseram ficar lá, pois amam a cidade. COMO NICOLAS BEHR, um dos personagens-símbolo da cidade. Ontem, na CBN, Vivi Mosé contou a Heródoto Barbeiro, a Cony e a Xexeo, que aprendeu a amar Brasília (e o cerrado) com o poeta & ecologista Nicolas Behr. Na W3-Sul, na altura da 507, um verso gritava (nos anos 70), na parede: "Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama, Nicolas Behr".
Nós o chamamos, sim, nós gostamos muito de você, um brasiliense que vestiu recentemente a camiseta: "Sou brasiliense, mas sou inocente". INOCENTE como milhares de outros que questionam os demanandos de Roriz e seguidores. Como os manifestantes que ocupam a Câmara Distrital para RENOVAR a administração da cidade.
Viva Brasília! Beijos, Rô
P.S. - Amigos paulistas me perguntam como vivi 25 anos "naquele desterro"? Sem programação cultural, sem isto, sem aquilo!!!! Vivi muito bem. Conheci o cinema de YOUSSEF CHAHINE, de PATRICE CHEREAU e de muitos outros, antes de conhecer a MOSTRA SP, que CAKOFF organiza. Os filmes deles (o egípcio e o francês) eram exibidos no Cineclube da Embaixada da França. Nossas noites eram ocupadíssimas, havia muito por ver/fazer/construir.... O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi criado em 1965 por Paulo EMILIO. É o mais antigo do país. Fiquei emocionado de ver cartazes do festival e o niemárico Cine Brasília na linda propaganda da cidade que o GDF veiculou na TV. O Festival tem 42 edições. É -- repito -- o mais ANTIGO/TRADICIONAL do país!!!
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"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes
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- AURÉLIO MICHILES
- Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.
2 comentários:
Gostei do título : Desabafo.
eu amo Brasília... eu me sinto em casa quando chego lá, mais do que quando chego em Manaus, me dá um alvoroço no ser, o coração rejuvenesce... e penso um dia poder voltar morar em Brasília.. parabéns à Rosàrio pelo texto...
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