Com este titulo a conferencia celebrou Jay Leyda (1910-1988), sim, este mestre que testemunhou o nascimento do cinema desde a Rússia, nos primeiros momentos da revolução soviética e que conviveu com Sergei Eisenstein, perambulou por Paris, Nova York, China e outros países para finalmente se estabelecer nos Estados Unidos. Jay é um dos pioneiros na questão da preservação da memória áudio-visual, naquilo que resultou na Cinemateca, mas também no uso deste acervo, tanto que contrariado com a denominação “filmes de arquivo”, dedicou-se ao estudo e a difusão daquilo que considerava mais correta: “filme de compilação”.
Foi uma semana assistindo filmes e ouvindo palestrantes como Bil Nichols, João Luiz Vieira, Ismail Xavier, Michael Renov, Suzana Souza Dias, Eduardo Escorel, Eduardo Morenttin e tantos outros que através das suas experiências acadêmicas e produção de filmes documentários puderam expressar essa milionária contribuição que os filmes preservados e guardados nas cinematecas podem prover leituras ao infinito.
Nem bem descansei os miolos e os olhos, fui assistir aos documentários “Utopia e Barbárie” (Silvio Tendler) e “EUA X John Lennon” (David Leaf e John Scheinfeld), estes como aqueles outros que havia assistido no seminário “Filme vira Filme” seguem a perspectiva conceitual de Jey Leyda:
"Nós podemos começar com a premissa de que qualquer coisa que foi posta em filme pode ser empregada uma segunda vez - geralmente com mais força do que na primeira vez, dependendo da força do artista que dá forma ao segundo uso". (1)
O filme de Silvio Tendler mesmo que seja mais abrangente, o seu ponto de partida seja o seu testemunho pessoal e de geração diante das perplexidades que se desenrolam sobre a sua crença política e ideológica. Quanto ao segundo documentário o próprio titulo já sinaliza a polarização, a trajetória libertária de um artista, e como não bastasse havia sido um “beatles”. John Lennon transforma o seu conflito de origem familiar numa dor coletiva, utiliza o poder midiático que a sua figura exerce na sociedade e a disponibiliza aos movimentos sociais que agitavam os Estados Unidos contra a guerra do Vietnã:
“WAR IS OVER! (se você quiser)”
Neste filme as imagens impactantes do século XX se confundem com a própria persona John Lennon/Beatles, aqui o que importa é a revelação, o desmascaramento da hipocrisia do poder repressivo norte-americano. O filme torna público aquilo que se sabia somente nos bastidores. O governo Nixon transformou John Lennon numa espécie de inimigo “number one”. Consciente da força da imagem do ex-beatle tomou todas as providencias para ejetá-lo do circuito íntimo dos movimentos sociais que agitavam os Estados Unidos da América do Norte.
Mesmo que no filme “Utopia e Barbárie” Tendler exponha a sua perplexidade e a indignação, paisagem aonde transita a sua história são quase as mesmas de “EUA contra John Lennon”, neste sentido a revisitação da memória nos estimula a refletir sobre aqueles tempos e os atuais. Fica-se pensando na importância das cinematecas, aí onde adormecem a nossa herança das imagens, muitas delas esquecidas, mas prontas a serem despertadas, ordenadas e montadas segundo o eixo das necessidades de cada cineasta-criador dando novos significados, seguindo aquela máxima: “filme vira filme”.
As imagens dos anos de chumbo do mundo ainda incomodam, e elas podem ser compreendidas nesta declaração do poeta Carlos Drummond de Andrade:
“Não perdi a capacidade de indignação, mas ela está misturada com o ceticismo de quem não vê perspectiva de melhora nesses próximos tempos.” (2)
(1) Citado por Amir Labaki em "Que Viva Leyda!"- Newsletter, 140 - É Tudo Verdade
(2) Entrevista a Zuenir Ventura - Veja 19/11/1980.
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