O samba e a ciência se encontram em silêncio. E o personagem deste silêncio, com certeza, não aprovaria.
Dr. Paulo Emilio Vanzolini, Paulo Vanzolini, Vanzolini, Vanzo...cientista e sambista, "um homem de moral" como o cineasta Ricardo Dias intitulou um dos seus docs sobre este extraordinário personagem da ciência e do samba.
Uma das maiores alegrias que tive quando vim morar em São Paulo (1984) para integrar a equipe de criação do "GLOBO CIÊNCIA", foi ter conhecido Vanzolini, e não somente isso, ter integrado o círculo íntimo (privilégio) deste brasileiro. Não foi fácil conquistar a sua confiança e amizade. Nas reuniões de editoria do programa, havia alguns tabus, um deles era conseguir que Paulo Vanzolini desse uma entrevista para um programa da TV Globo, e também, transformar a sua pesquisa científica num assunto palatável à diversidade de telespectadores.
Considerei esse tabu (preconceito?) uma excelente oportunidade para conhece-lo e tornar realidade a tese de que muitas vezes o hermético é uma questão de ponto de vista. Como um sambista pode tornar a sua pesquisa científica num incompreensível? Havia algo aí que merecia mais atenção das pessoas.
Não seria a primeira vez que o veria, mas ele não sabia. Em 1970, ainda estudante secundarista, estive em sua casa, acompanhado pelo líder estudantil da UnB, Honestino Guimarães (hoje um desaparecido político), não recordo os motivos, mas deveria ser algo em relação a militância da Ação Popular, um dos seus membros parece namorava uma das filhas do Vanzolini. Nesta oportunidade o vi de relance na casa, ele passou por nós, cumprimentou-nos e sumiu casa adentro. Agora, encontrava-me a sua procura...
Ligo uma vez, outra vez e outras vezes e até que sou atendido por sua secretária, pede o meu nome, o assunto e promete que irá repassar ao Dr. Paulo Vanzolini. Insisto na ligação alguns dias depois...a secretária comenta que ele não tem interesse na gravação.
Passado mais muitos dias, insisto novamente. E aí, por acaso (?) é ele mesmo quem atende. Apresento-me.
"- Quem é mesmo?"
"- Aurelio Michiles".
"- Michiles? Aquele Michiles da viagem do casal Agassiz?"
"- Sim, ele é o meu bisavô, eles foram hóspedes em sua casa quando estiveram em Maués".
Vanzolini estava se referindo ao livro "Viagem Ao Brasil, 1865-1866" de Luiz e Elizabeth Cary Agassiz, casal de cientistas norte-americanos que visitaram a Amazônia. A partir daí foi só remanso.
Quando retornei ao núcleo do Globo Ciência, quase não se acreditou. Ricardo Dias, um dos diretores do programa logo me acompanhou na próxima visita e em seguida gravamos os primeiros depoimentos antes da nossa viagem para o Amazonas. Depois, tudo é história, inclusive por que o Ricardo (cineasta e biólogo) realizou três documentários com/sobre o Vanzolini.
Foram alguns "globos ciências". E, por conta disso, viajamos várias vezes na selva, rios e lugarejos amazônicos, e cada uma destas vezes foi como fossem únicas. Compartilhamos da sabedoria deste "último dos viajantes amazônicos", ele que por mais de meio século, desbravou-a, conhecendo-a como a palma das suas mãos (literalmente).
E mais...durante estas viagens ouvir VANZO contar e recontar suas histórias, aventuras e descobertas de vida, que privilégio! Muito obrigado, amigo Vanzolini, foi (é, será sempre) muito bom ter compartilhado da tua generosidade e gula do VIVER.
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