O 20º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, celebra data redonda abrindo com o doc “Últimas Conversas”, um filme póstumo de Eduardo Coutinho. Montado e finalizado por seus permanentes parceiros: Jordana Berg e João Moreira Salles.
O filme abre com o Coutinho sentado na cadeira dos entrevistados, resmunga e reflete sobre a impossibilidade de continuar o projeto, segundo ele, “os adolescentes não tem memória” (?). É mais uma artimanha do exímio entrevistador diante dos possíveis entrevistados, ele conversa com seus conflitos e aponta para o infinito. A cena filmada num estúdio produzido para este fim, é simbólica. Uma porta por onde entram e sai os convidados. A fotografia de Jacques Cheuiche só acrescenta e ilumina a atmosfera do confronto, entre aquele senhor (avô?) e os seus netos (?). Mas, não pensem que fica por aí…Coutinho logo estabelece uma relação de igualdade, sem perder a autoridade das perguntas e muitas vezes das respostas.
“Últimas Conversas” é uma cerimônia ao estilo “coutinhiano”, as entrevistas viram causos e os causos, histórias que atravessam o fio da memória. Dezenas de adolescentes foram entrevistados, apenas alguns foram selecionados na montagem final, aliás, Coutinho sempre ao término de cada entrevista sinalizava, “espero que você fique na montagem…”. Mas, os depoimentos que assistimos na montagem deste doc, compõem um espécie de não-álbum-de-família, no sentido clássico do “pathos familiar”.
Nesta relação do filho (a), mãe-pai encontram absurdamente alterados. Identifica-se a presença da mãe e ausência do pai. O que leva a perguntar. “- Qual é a função do pai neste relação?” O afeto se apresenta como uma busca fundamental ao meio da ausência satisfatória desta relação. Os filhos são objetos? Os avós um porto-seguro na reserva desta não-família? A mãe é o esteio econômico. Quanto ao pai-ausente (algumas vezes desconhecido) são reservadas o papel do rastilho da memória paternal, envoltos em esperanças e frustrações segredados num acordo tácito em que esta se encontra mergulhada - a família , o locus ou a célula mater da sociedade. O Pai é apenas o falo (phallu).
Essa família revelada neste filme é um recorte da nossa sociedade contemporânea, aonde o “pathos-familiar” implodiu, ao menos como existia antes. A família e suas relações paralelas aonde os verdadeiros desejos encontram-se ocultos, por tanto, somente a transgressão é capaz de colocar a nu as regras do jogo da hipócrita "sociabilidade".
A única entrevistada que se articula dentro do antigo “álbum de-família” é uma criança de 6 anos. Coutinho, logo no inicio, havia alertado que preferia realizar um filme-doc com crianças, em vez dos adolescentes. Ela pertence a outro sócio-econômico do “pathos-familiar. Quando ela surge pareceu-me com aquela aparição das crianças nos corredores do hotel no filme “Iluminado” (Stanley Kubrick). A menina, diante da pergunta de Coutinho…”- Quem é deus?”. E ela, sem pestanejar, responde a um incrédulo Coutinho: “- Deus é o homem que morreu".
“Últimas Conversas” nos revela um impaciente, reflexivo e rabujento Eduardo Coutinho, aqui ao meio dos dramáticos destinos destes adolescentes, logo ele mesmo, envolto em seu território familiar com um trágico destino (como impossibilidade) da família como locus da felicidade. Tudo isso nos deixou com a pulga atrás da orelha. Que filme!
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