quarta-feira, 3 de abril de 2013

PORTOS & JK & PLINIO RAMOS COELHO


Outro dia, Gougon, amigo de Brasília fez um relato no Facebook pra lá de bacana sobre a memória em que o líder estudantil e desaparecido político Honestino Guimarães é protagonista. Adoro memórias...tenho trabalhado com elas, uma forma de buscar identidades.


Hoje, especialmente, estou pensando sobre os PORTOS. Sim, "portos", esse elo poético, existencial e metafórico que une pessoas, margens, povos, tribos, civilizações...Nasci a beira de um porto - Roadway Manaus, Rio Negro. 



Desde criancinha ia passear ali, primeiro com as mãos dadas aos meus pais, sempre havia alguem embarcando, viajando... Depois, adolescente ia com meus amigos...receber a brisa do crepúsculo. Falávamos sobre tu-do e outras tantas coisas. Sabíamos que ali era a porta da nossa saída. Naquele tempo sentia-me um prisioneiro nos limites da província, queria conquistar outras margens. Aos 15, viajo pra Brasília, mas não pelos caminhos aquáticos, foi aéreo (Electra II-VARIG), aeroporto de Ponta Pelada.


Já em Brasília (1968), fomos eu e mais dois amigos (Enéas e Milton Hatoum) encontrar uma das nossas referências políticas amazonense. Sábado, almoço no apartamento de uma das pessoas mais poderosas (na época) do Amazonas, d. Lourdes Archer Pinto, cuja família controlava o império de comunicações no Estado. Aí, encontramos o ex-governador Plínio Ramos Coelho, cassado pelo Golpe de Estado 64. Plínio Coelho, advogado, destacou-se defendendo os trabalhadores e fundou o PTB - Partido Trabalhista Brasileiro. Ao menos para nós jovens estudantes, ele, era uma figura mítica. E, não somente por isso, era o pai de um dos adolescentes do nosso grupo (Plinio Jr). Ele, logo nos enquandrou dentro do ressentimento em que vivia, agora como um modesto fazendeiro:


"- Hoje, não me interessa a politica, prefiro meus porcos, a lama deles é mais saudável."

Mas, nós, jovens inquietos com a situação política brasileira e mundial, insistimos no assunto. O ex-governador topou, mas preferiu falar sobre a sua memória. Hoje, vejo o quanto foi importante. Sobretudo diante da paisagem industrial e urbana em do Brasil atual. O país encontra-se engarrafado, sem infraestrutura rodoviária que faça locomover a sua produção. Paralelo a esse cáos, faz décadas que contemplamos o desmanche da malha ferroviária e portuária brasileira.                              



        A ditadura da indústria automobilística se impôs, transformando o país num reflexo daquilo que aprendemos a ver em Brasilia - o homem dividido em "cabeça, tronco e rodas"... Lamentavelmente.
         
        E como ironia do destino, o atual relator da Medida Provisória 595, que estabelece um novo marco regulatório para os portos brasileiros, é o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM). Talvez, por isso, que a minha memória se sentiu mobilizada a refletir sobre aquele distante encontro com o ex-governador Plínio Ramos Coelho. É inconcebível como um país que detém em generosidade caminhos móveis (marítimos e fluviais) não conseguiu se modernizar para atender as demandas necessárias. Na minha infância e adolescência era possível sair de Manaus de navio, ir até Belém e depois seguir de ônibus até Brasília. 


     Hoje, em dia, quase não se consegue navegar confortávelmente entre as cidades dentro do Estado do Amazonas, aonde por mais incrível que possa parecer, inexiste uma Escola Naval.


     E o quê Plínio Ramos Coelho tem haver com isso? Sim, tudo, vou contar-lhes. Quando o governo JK convocou o país a incorporar-ser a modenrização, mostrou a indústria automobilistica como a chave deste futuro. O governador do Amazonas daquela época, era Plínio Coelho, e ele fez chegar ao presidente dos riscos que estaríamos correndo caso se optasse por um só caminho desevolvimentista - o rodoviário, abandonando os caminhos móveis. Plínio Coelho, foi ridicularizado.


        Os fatos atuais respondem por si mesmo. Os caminhos do desenvolvimento se encontram engarrafados, destruímos os fluviais, marítimos e os ferroviários. Em vez de agregarmos possibilidades, optamos pelo caminho do "Saci-Pererê", caminhar com uma perna só.

       E, foi essa lição que guardei da conversa com o governador cassado Plínio Ramos Coelho, hoje, é um personagem esquecido para os amazonenses. Mas a profecia dele, infelizmente, aconteceu.

7 comentários:

Vera Nilce disse...

Aurélio, que pertinente voce sempre é ... e vc me emociona contando Historias de nossa terra , de gente com quem convivi. Obrigada!

artemis disse...

Que alegria você me deu Aurélio! já falei e repito que gosto do seu fluir pelas memórias de um passado que mesmo eu fazendo parte dele, desconheço. E se hoje tenho a fé como o alvo maior de um centauro, tenho tido também a necessidade de um resgate histórico; de uma inteireza de ser para melhor me compreender. Obrigada por me proporcionar mais um 'encontro' com meu passado.
Um abraço carinhoso.

AURÉLIO MICHILES disse...

Verinha, não faço mais do que o meu compromisso com a nossa memória, caso a gente mesmo não conte, quem fará? Agradeço tuas gentis palavras.

AURÉLIO MICHILES disse...

Artemis, fico feliz tambem em vê-la com alegria. O passado assim como a memória é algo que nos pertence, ninguem pode tomá-las.

Keyce Araújo disse...

Sensacional relato Aurélio, não sou dessa época, claro, mas de lá para cá nada mudou e os discursos desenvolvimentistas continuam o mesmo, andam de uma perna só, mas com os pés voltados para trás que nem o curupira mesmo...rs
Não optam por um desenvolvimento que explore economicamente nosso rios navegáveis e nossas trilhas sobre trilhos e parece que estamos muito longe de nos desenvolvermos de fato e vamos continuar engarrafados.

AURÉLIO MICHILES disse...

Keyce, parece que ninguém deseja acordar deste pesadelo...

artemis disse...

Voltei aqui pra reler esse registro tão bem apresentado e, oito anos depois, gostei mais ainda. Acho que é por causa da calmaria que os anos nos trazem :) Obrigada mais uma vez. E, sim, quem não contar nossa história quem a contará? <3

"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.