O Golpe 64 é um trauma, mas precisamos lamber as feridas, sem comiserações. Este evento foi parte da geopolítica do capitalismo norte-americano e em nome contra uma propalada "ameaça comunista", eufemismo de "guerra fria".
Hoje, passados meio século, podemos dizer que o "ameaça comunista" Não existe mais & o "capitalismo" é triunfante. Mas apesar da hegemonia dos EUA, as crises deste sistema econômico cada vez mais vez acontece em curtos prazos, e ameaça a estabilidade dos países ricos, pobres e aqueles em ascensão. Estes são os desafios deste século XXI, quando ninguém têm uma resposta objetiva e imediata para a crise político-econômica planetária. Mais uma lição podemos tirar, a partir das declarações do economista francês Thomas Piketty autor de "Le Capital au XXI Siecle" (O Capital no Século XXI):
"Acredito na propriedade privada, mas o capitalismo e o mercado devem ser escravos da democracia, e não o oposto".
Dito isto, quero relembrar os motivos que levaram ao Golpe de Estado 1964, ele foi dado para cercear aquilo que de melhor se construía no Brasil desde a sua fundação, estávamos ocupando os espaços em todas as áreas: ciência , arquitetura, tecnologia, pedagogia, dramaturgia, cinema, artes plásticas, música (popular & erudita, inclusive experimental-vanguarda). O país parecia que iria explodir em criatividade. Era preciso derrubar o gigante, passar-lhe uma rasteira, humilha-lo, devolve-lo para cozinha, para a senzala, para o fundão da selva. Naquele tempos discutia-se se o Brasil era semi-feudal, semi-capitalista, tudo para justificar a opção revolucionária se daria pela cidade ou pelo campo.
A Universidade de Brasília era uma verdadeira ágora, aonde os brasilienses podiam visitar, passear e estudar, foi justamente contra ela que foi usado a mão mais pesada da ditadura...Várias invasões com armas e tanques de guerra, prisões e expulsão de mais de 500 professores (mestres, doutores de vários países). O jovem líder estudantil desta universidade, Honestino Guimarães é uma das vítimas, um desaparecido político.
Precisamos assistir aos nossos filmes, ler nossos mestres que refletiam sobre aquele Brasil coletivo. Precisamos dançar, cantar e celebrar (entre outros, é claro) Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Guimarães Rosas, Antonio Callado, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Josué de Castro, os físicos Mário Schenberg e José Leite Lopes, os músicos Claudio Santoro e Koellreutter, Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi, Burle Max, Bossa Nova, Zé Keti, Zé Celso Martinez Correa, Augusto Boal, Glauber Rocha,Thomaz Farkas, Cosme Alves Netto, Paulo Emilio Salles Gomes, Lygia Clark, Ligia Pape, Hélio Oiticica, Nise da Silveira, Paulo Vanzolini, Luis Hildebrando, Isaias Raw, o casal Ruth e Victor Nussenzwaig empenhados a descobrir e desenvolver uma vacina contra a malária, até hoje são referência nesta especialidade cientifica, mas perseguidos durante o Golpe 64, refugiaram-se na Escola de Medicina da Universidade de Nova York (NYU), nunca mais retornaram ao Brasil. Meu deus, quantos cérebros capazes de transformar tanto a vida como arte, foram desprezados desperdiçados, muitas vezes silenciados.
Quem conspirou e fomentou o Golpe 64, sabia contra quem estava ferindo de morte, e pra barrar esse tsunami, somente a repressão em nome de uma moral, mas qual moral? Com os documentos "secretos/confidencial" guardados nos arquivos dos EUA, sabe-se que eles investiram milhões de dólares na compra de consciência de possíveis aliados, colocaram armas, navios de guerra ao alcance duma eminente investida bélica-militar ("Operação Brother Sam"), alem da compra com malas de dinheiro (dólares) do apoio de comandantes militares ainda titubeantes em apoiá-los, aqui neste caso, acusa-se o General Amaury Kruel, entre outros.
Existe uma frase dita por Allende, logo depois do Golpe (dita ao Darcy Ribeiro) que a queda do governo João Goulart, era um prenúncio que o projeto de transformação da América Latina como via autodeterminada encontrava-se ameaçado.
O negócio é não ficar mudo. A nossa música é boa música. Brasil dos brasileiros.