A minha homenagem ao Arquiteto Severiano Mário Porto, no dia em que completa 86 anos.
Aurélio Michiles, fevereiro 2016.
As obras do arquiteto Severiano Porto, dialogam com a sabedoria herdada dos ancestrais indígenas, estes que mantém um cotidiano no meio das águas na região florestal mais alagada do planeta. Talvez, esta, tenha sido as primeiras impressões deste visitante mineiro ao navegar pelos rios amazônicos, observar as edificações dos índios e dos caboclos que estrategicamente escolhem o lugar onde fincar as palafitas recuadas na floresta ou no alto das barrancas protegidas da enchente e da erosão. Essas edificações são erguidas com vigas de madeiras entrelaçadas, sustentadas por grossos troncos. O seu sistema de ventilação faz com que sejam muito arejadas, frescas no verão e quentes nas noites de chuva. Utilizam-se primordialmente a palha de “buçu” para fazer paredes, divisórias e coberturas. A escolha desta palmeira deve-se as suas propriedades (ainda mal compreendidas) como antídoto a insetos e fungos, além de sua durabilidade, que chega até vinte anos.
Os projetos do arquiteto Severiano Porto é um dos melhores exemplos da contribuição/interação dessa arquitetura, daí, ele, hoje, inserir-se entre outros extraordinários visitantes da Amazônia, por exemplo, ao arquiteto italiano Giuseppe Antonio Landi (1713-1791) que acompanhou a expedição “Viagem Philosófica”, que teve início em 1783 e durou nove anos, comandada pelo brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira. Entre outros atributos, essa missão deveria construir e edificar a capital do Rio Negro, Mariuá, hoje Barcelos. O arquiteto Landi, à serviço da coroa portuguesa, acabou deixando um dos mais importantes legados arquitetônicos em nosso país ao projetar e construir igrejas e palácios no estilo “paladiano” (neoclássico) em Belém. Muitos anos depois durante o ciclo econômico da borracha, a Amazônia, novamente viu-se ao meio de arrojadas edificações influenciadas pelo estilo eclético e o art-noveau (ex.: “Teatro Amazonas” - Manaus, “Paris n’ América” - Belém); infelizmente, depois da crise da economia da borracha, a região caiu no ostracismo.
Esse marasmo foi quebrado no meados dos anos 60, pelo arquiteto Severiano Porto. Quando colocou em prática todo o seu encantamento daquilo que viu. Logo ele, arquiteto formado ao meio do impacto da arquitetura modernista feita de concreto, aço e vidro...E, agora? O que significava esse “esse morar à beira dos rios”? A exuberante paisagem amazônica diante dos seus olhos exigia desafios, o qual foi prontamente entendida pelo arquiteto recém chegado. E se pôs mãos à obra. Logo, nas primeiras encomendas recebidas, respondeu com projetos de madeira, mas, lhe foi dito que aquilo era uma “construção de pobre”. Mas, aí, toda a cidade já comentava sobre a ousadia e irreverência do mineiro. Não vou aqui fazer uma lista dos seus arrojados projetos, prefiro me deter num único, aquele que embasbacou um menino que sonhava estudar arquitetura e cinema e que tinha como referência o Teatro Amazonas e Brasília. Esse menino, era neto de um mestre-de-obras em Maués – o afamado “Mestre Joaquim”. E, no entanto, logo ali, num dos bairros mais belos e ajardinados da cidade – A Vila Municipal (Adrianópolis), o arquiteto projetou e construiu o restaurante “Chapéu de Palha” (1967), apesar do nome, na verdade, a sua edificação remetia as malocas indígenas. Logo ele, arquiteto formado ao sob o impacto dos projetos modernistas e monumentais de Oscar Niemeyer, feitos de concreto, aço e vidro. Esse projeto foi produzido com baixo custo, ao utilizar material abundante e disponível como madeira (aquaricuara) e palha (buçu), o piso era de cimento puro/queimado, não havia ar-condicionado, mas, espaços-vazados engenhosamente pensados aonde a ventilação natural se encarregava de refrescar o ambiente. Também, em volta do beiral, instalou uma estratégica calha para recolher a água da chuva a qual era conduzida para uma cisterna. O restaurante “Chapéu de Palha”, foi demolido num único dia - 01 de novembro de 1986.
Mas, isso não foi nenhuma novidade, paradoxalmente, no mesmo momento em que o arquiteto Severiano Porto realizava os seus arrojados projetos ressaltando a influência das tradições regionais, foi justamente o período em que o “ciclo econômico” da Zona Franca, a riqueza arquitetônica e urbanista do “ciclo da borracha”, em Manaus, foi deitada abaixo. Foi uma ação sem nenhum escrúpulo, mas não somente isso, o próprio acervo florestal viu-se ameaçada pela trágica extinção....Passado meio século, agora, é o próprio legado de Severiano Porto que se encontra ameaçado. Algumas das suas obras foram demolidas e outras encontram-se sob o abandono. Diante disso, a melhor homenagem que podemos fazer ao arquiteto Severiano Porto é fechar esse ciclo perverso de desrespeito em que demolir é passar a borracha na história de uma cultura, de um povo.
* Foto de Severiano Mario Porto