segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

MAURO ALICE E O SORRISO DO GATO NO PAÍS DAS MARAVILHAS


MAURO ALICE (1925*2010). Um homem, sobretudo gentil. A sensibilidade do seu olhar transpassava a tela do cinema para gravitar na órbita do movimento.

Já o conhecia através de alguns filmes que me marcaram, mas desconhecia o quanto ele havia contribuído para a existência daqueles clássicos.

Foi Carlos Nascimbeni que nos apresentou, mas a nossa aproximação aconteceu quando realizei o meu filme “O Cineasta da Selva” (97).

Fiz questão de convidá-lo para assessorar o ator José de Abreu no manuseio de películas em moviolas vertical e de mesa. A vertical, justamente mais antiga nos foi emprestada por uma escola de cinema, sob recomendação que não se podia fazer funcionar por que se encontrava quebrada.

Logo no primeiro dia das filmagens Mauro rondava o estúdio feito um gato, quase não se ouvia a sua voz e o seu caminhar. Enquanto preparávamos a filmagem das cenas, respeitosamente mexia aqui, ali e maravilhava-se diante das centenas de objetos antigos que por si mesmos contavam a história do cinema desde a sua gênese. Vez e outra ele contava algumas dos causos da Vera Cruz, Mazzaropi, Khoury, Babenco e tantos outros mestres do nosso cinema... De repente... Zás, escuta-se um ruído, ali estava Mauro Alice, com um sorriso: “gente, funciona!”.

Esse fato deu um toque mágico por que criou um clima que tudo poderia ser possível acontecer desde que Mauro Alice estivesse por perto. O ator José de Abreu que interpreta Silvino Santos pôde exibir performances de um autêntico montador numa moviola vertical, não era encenação, era tudo verdade.

Por coincidência éramos vizinhos, quase sempre estivemos em encontros de rua, esquina, hortifruti, padaria ou no seu apartamento em Higienópolis. A última vez foi quando lhe entreguei uma cópia DVD do meu filme “O Cineasta da Selva”. Ele me havia contado que não havia tido a oportunidade em adquiri-lo. Quando apareci com o DVD nas mãos ficou tão emocionado, parecia que havia ganhado um troféu, relembrou de causos acontecidos nos bastidores da filmagem e logo enveredou nos segredos da montagem no cinema e da rapidez que atualmente as cenas surgem feitos tiroteios como nos filmes de bang-bang. Com a cabeça raspada, passou a usar elegantes chapéus, encontrava-se doente, mas nunca reclamou, alimentava planos secretos em realizar um filme.

Recebo a notícia da sua morte ao acessar o “facebook”, encontro-me em Cancún-México como curador das imagens exibidas na exposição “Espaço Brasil/Amazônia”, durante a realização da COP 16. Daqui de longe, neste país de tantas histórias e ambíguidades geográficas, é America do Norte e também América Central, cenário privilegiado do imaginário cinematográfico (Que Viva México!), logo penso na ambigüidade Mauro Alice, masculino, feminino e o sorriso de gato da Alice no País das Maravilhas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo Aurélio!decerto ele adoraria esta homenagem, este reconhecimento pelo trabalho num país em que arte ou quem com ela trabalha sempre é escamoteado. Vou fazer um mea culpa, há mto tempo vi Cineasta da Selva, vi duas vezes num canal de TV que não lembro (acho que canal Brasil). Adorei! Confesso que nao vi os créditos e um dia destes que fui ler algo sobre ele e vi que vc quem tinha feito. Para vc ver como somos, gostamos de algo e não nos informamos sobre o assunto, quem fez. Estou tentando ser mais atenta. Abraços

"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

www.tudoporamoraocinema.com.br

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.