sábado, 1 de maio de 2010

IT'S ALL TRUE: JAY LEYDA, SILVIO TENDLER E JOHN LENNON

"a marca da espécie" by aurélio michiles




Depois da férrea jornada do festival de documentários “É Tudo Verdade” (12 a18 abril - www.etudoverdade.com.br
) aonde tive oportunidade de assistir uma dúzia de documentários, mas sem duvida, aquilo que mais me provocou reflexão foi a 10º Conferência Internacional do Documentário e que este ano trouxe o tema “Filme Vira Filme – o documentário de arquivo”.


Com este titulo a conferencia celebrou Jay Leyda (1910-1988), sim, este mestre que testemunhou o nascimento do cinema desde a Rússia, nos primeiros momentos da revolução soviética e que conviveu com Sergei Eisenstein, perambulou por Paris, Nova York, China e outros países para finalmente se estabelecer nos Estados Unidos. Jay é um dos pioneiros na questão da preservação da memória áudio-visual, naquilo que resultou na Cinemateca, mas também no uso deste acervo, tanto que contrariado com a denominação “filmes de arquivo”, dedicou-se ao estudo e a difusão daquilo que considerava mais correta: “filme de compilação”.


Foi uma semana assistindo filmes e ouvindo palestrantes como Bil Nichols, João Luiz Vieira, Ismail Xavier, Michael Renov, Suzana Souza Dias, Eduardo Escorel, Eduardo Morenttin e tantos outros que através das suas experiências acadêmicas e produção de filmes documentários puderam expressar essa milionária contribuição que os filmes preservados e guardados nas cinematecas podem prover leituras ao infinito.


Nem bem descansei os miolos e os olhos, fui assistir aos documentários “Utopia e Barbárie” (Silvio Tendler) e “EUA X John Lennon” (David Leaf e John Scheinfeld), estes como aqueles outros que havia assistido no seminário “Filme vira Filme” seguem a perspectiva conceitual de Jey Leyda:
"Nós podemos começar com a premissa de que qualquer coisa que foi posta em filme pode ser empregada uma segunda vez - geralmente com mais força do que na primeira vez, dependendo da força do artista que dá forma ao segundo uso". (1)


O filme de Silvio Tendler mesmo que seja mais abrangente, o seu ponto de partida seja o seu testemunho pessoal e de geração diante das perplexidades que se desenrolam sobre a sua crença política e ideológica. Quanto ao segundo documentário o próprio titulo já sinaliza a polarização, a trajetória libertária de um artista, e como não bastasse havia sido um “beatles”. John Lennon transforma o seu conflito de origem familiar numa dor coletiva, utiliza o poder midiático que a sua figura exerce na sociedade e a disponibiliza aos movimentos sociais que agitavam os Estados Unidos contra a guerra do Vietnã:


“WAR IS OVER! (se você quiser)”


Neste filme as imagens impactantes do século XX se confundem com a própria persona John Lennon/Beatles, aqui o que importa é a revelação, o desmascaramento da hipocrisia do poder repressivo norte-americano. O filme torna público aquilo que se sabia somente nos bastidores. O governo Nixon transformou John Lennon numa espécie de inimigo “number one”. Consciente da força da imagem do ex-beatle tomou todas as providencias para ejetá-lo do circuito íntimo dos movimentos sociais que agitavam os Estados Unidos da América do Norte.


Mesmo que no filme “Utopia e Barbárie” Tendler exponha a sua perplexidade e a indignação, paisagem aonde transita a sua história são quase as mesmas de “EUA contra John Lennon”, neste sentido a revisitação da memória nos estimula a refletir sobre aqueles tempos e os atuais. Fica-se pensando na importância das cinematecas, aí onde adormecem a nossa herança das imagens, muitas delas esquecidas, mas prontas a serem despertadas, ordenadas e montadas segundo o eixo das necessidades de cada cineasta-criador dando novos significados, seguindo aquela máxima: “filme vira filme”.


As imagens dos anos de chumbo do mundo ainda incomodam, e elas podem ser compreendidas nesta declaração do poeta Carlos Drummond de Andrade:


“Não perdi a capacidade de indignação, mas ela está misturada com o ceticismo de quem não vê perspectiva de melhora nesses próximos tempos. (2)


(1) Citado por Amir Labaki em "Que Viva Leyda!"- Newsletter, 140 - É Tudo Verdade
(2) Entrevista a Zuenir Ventura - Veja 19/11/1980.

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"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.