segunda-feira, 29 de julho de 2013

ARNALDO CARRILHO, UM EMBAIXADOR DO CARALHO

Uma homenagem a um amigo que partiu, e que felizmente consegui te-lo por perto, mesmo que fosse por tão pouco tempo. Mas ficará na memória nossos dias de confraternização quando por aqui passava (São Paulo). Carrilho, escrevia e-mails como quem escrevia cartas, e elas são documentos importantes da memória de um tempo. Aqui uma delas.


Arnaldo Carrilho (1937-2013)
08/12/08
      

     Como, pelo exercício de funções públicas, desde 1958 (Conselho do Desenvolvimento - PR), devo lidar com todos os tipos de gente, na qualidade de diplomata. A partir de 1961, fui trabalhar na antiga DDC (Divisão de Difusão Cultural), unidade do Departamento chefiado pelo então Ministro Lauro Escorel de Moraes (pai de Eduardo e Laurinho). 

     Coube-me substituir Carlos Peres, à época doublé de diplomata e cronista teatral na Tribuna da Imprensa, como Subchefe da DDC e encarregado de uma Seção de Difusão Cinematográfica. Nessa qualidade, apesar de minhas preferências pessoais pelo Cinema Novo, movimento a que me integrei ao conhecer Glauber em Buraquinho, recebia em minha sala, no 3º andar do Itamaraty, quase todos que faziam cinema naqueles idos, inclusive funcionários da TV-Rio (Canal 13). O pessoal da Tupi não aparecia naquelas bandas, desinteressado nas primeiras difusões quinzenais de videoteipes noticiosos e programáticos na América Latina.
          
   Cineastas do Brasil inteiro iam ter comigo, inclusive chanchadeiros e dramalhoneiros. A lista seria interminável, mas arrolo nomes como J.B. Tanko, Mario Civelli, Carlos Manga, Irmãos Santos Pereira, Rubem Biáfora, Walter Hugo Khoury, Roberto Santos, Oswaldo Massaini (produtor), Roberto Pires, Linduarte Noronha, Ramiro Mello e assim por diante. O Serviço Público exige absoluto e total ecletismo do servidor, de vez que os serviços audiovisuais que tínhamos e temos são parte de uma atividade nacional. Claro que havia muita picaretagem no ar, geometricamente multiplicada nestes tempos de uma economia bem maior que a dos inícios doas anos-60.
          
      Além disso, cabe recordar que, na órbita federal, só cuidavam do setor a Seção que eu dirigia, o SCDP do DFSP (o Serviço de Censura de Diversões Públicas cobrava Cr$ 0.30/metro linear dos filmes que lhe eram submetidos, sem o que não obteriam o mandatório certificado de liberação), um Grupo de Estudos criado por Janio Quadros (GEICINE), do qual fazia eu parte, como Representante do MRE, e uns desvãos produtivos e arquivológicos em certas Pastas, como a da Agricultura, Guerra, Agência Nacional (herdeira do DIP estadonovista), qual mais? 

      Claro que não existiam um INC, em atividade só em 1967, muito menos uma Embrafilme. O Itamaraty contava com boas verbas, para difusão cultural, desde 1958, e funcionários como J.O. Meira Penna, Wladimir Murtinho, Lauro Escorel, Jorge Maia, Everaldo Dayrell de Lima e Mario Dias Costa, os quais inauguraram a contemporaneidade em suas tarefas de difusão do País no exterior.
          
   Outras funções que eu exercia eu eram as de Secretário-Executivo da Comissão de Seleção de Filmes para Festivais Internacionais de Cinema e Coordenador do Seminário de Cinematografia, a cargo de Arne Sucksdorff, em coordenação com a UNESCO e a DPHAN-MEC. O Brasil era um País mais inspirado que o de hoje: a segunda metade dos anos-50 e a primeira da década seguinte viram o surgimento de grandes feitos culturais: o lançamento de Grande Serão: veredas, o triunfo, com Brasília, do episódio brasileiro (1937-57) da Arquitetura internacional, o concretismo e neo-concretismo, "Rio 40 graus", "Rio Zona Norte", "O Grande Momento", "Osso, Amor e Papagaios", "Na Garganta do Diabo", o futebol-arte da Copa na Suécia, a Bossa-Nova, os anos-JK, a OPA e os primeiros ensaios de uma PEI (Política Externa Independente), em suma, para ficarmos por aí, era entusiasmante ser brasileiro (tinha eu 20 anos, em 1957). Sem qualquer laivo de nostalgia besta, aquele País não mais existe, foi-se, e só as obras que ficaram, já que as memórias são trôpegas, o testemunham.
          
      David Neves, amigo de François Truffault, que esteve no Rio pouco antes de Cannes-62, assim como J.-L. Godard antes ainda, muito se interessou pela (re-)nascente produção cinematográfica entre nós. Adivinhou que "algo" se passava com aquele Brasil, que não era apenas o vu de Billancourt, à maneira de Marcel Camus (a propósito do Orphée Noir). O verdadeiro "Embaixador do Cinema Brasileiro" foi David E. Neves, não era eu, muito menos o Cosme Alves Neto. Era politicamente necessária a escolha d'O Pagador para Cannes, era desaconselhável ou tecnicamente inviável o envio de "Os Cafajestes" ou "Barravento" para o antigo Palácio na Croisette, se bem que o primeiro não figuraria mal na competição, como "etapa" de abertura do Brasil ao mundo das luzes e sombras. O filme do Anselmo era correto, mas longe do vanguardismo, da linguagem nova que preconizávamos. Concretamente, a Comissão itamaratyana decidiu bem, pois ficamos com a Palme d'Or, por mais que a premiação nos contrariasse. O fato de o Anselmo ter empregado seus encantos (fator-AD ) para cima da Christiane de Rochefort não tira nenhum mérito na premiação. Claro que o tempo iria encarregar-se de desvendar que ele não lograria ser "o Cineasta do Brasil", como sabíamos de antemão. Quando nos apresentou "Veredas da Salvação", isso ficou patenteado. Se outro fosse o seu destino, Anselmo seria nosso melhor telenoveleiro.
          Grave foi 1964 (pouco antes do golpe burguês, equivocadamente apelidado de militar, porque marechais e generais, à exceção de Ernesto Geisel, desempenharam nele a função de guardas pretorianos, ao longo de quase 21 anos). Selecionamos "Deus e o Diabo na Terra do Sol"  para Cannes e "Vidas Secas"  para a Mostra de Veneza. 

      Impaciente e despeitado, Luiz Carlos Barreto arranjou telegrama do Favre Le Bret para convidar o filme do Nelson na competição. Protestei, em vão, certo de que um o outro obteriam, respectivamente, uma premiação significativa na Riviera ou na Cidade Lagunar. Ambos foram um sucesso, mas confundiram as meninges do Júri, que preferiu galardoar Les parapluies de Cherbourg...
          
   Encerrava-se com isso tudo a política cinematográfica do Itamaraty. Pedi Posto e fui para Roma, o Chanceler Vasco Leitão da Cunha nomeando-me Diretor do Centro de Difusão e Distribuição Internacional do Cinema Brasileiro. Invejoso, o então Adido Cultural à Embaixada em Paris (Guilherme Figueiredo) denunciou-me ao SNI, amparado no Brasil per Antonio Moniz Vianna e Ely Azeredo. Toda a atividade produtora e seletiva do Itamaraty passou para o INC. Amargando todos as imediatas conseqüências do 1º de abril e as investidas invejosas do irmão do Coronel João Baptista de O. Figueiredo, que encontrou respaldo na figura do novo Chefe da DDC (Vasco Mariz, sucedido depois por Vera R. do A. Sauer), foi tudo por água baixo.

Abraço do
Arnaldo C.

P.S.: em tempo, o CPC-UNE era contrário ao Cinema Novo. Seus ideólogos (pecebista e outros) não aceitavam a corrida desabalada de Manoel-Vaqueiro em direção ao Nada (não entenderam que aquele Mar era revolucionário), Ferreira Goulart a Vianninha a vociferarem burramente, com o nihil obstat do católico José Serra, tudo dias antes do golpe. Arnaldo Jabor era de esquerda, sim, comunista da Urca, se quiserem, filho de Oficial da Aeronáutica, mas de esquerda, sejamos justos, ó geração soixant'huitarde pós-moderna!Não julgai os parametros de então com os de hoje! Quanto ao Cinema Novo - expressão criada, em pejora, por Ely Azeredo -, o movimento começara, sim, com Rio 40 graus, Rio Zona Norte, os primeiros curtas de Saraceni, Cacá, David, Joaquim, Leon, Mario, Linduarte, Ramiro, Roberto Pires, Olney e os longas que se sucederiam. A meu ver, terminou em 1964 mesmo. As maravilhas produzidas e lançadas até 1985 ("Memórias do Cárcere", "Imagens do Inconsciente", "Nem tudo é verdade" e outros) não mais eram a "regra", mas iradas exceções. É preciso que se ponha nas cabeças brasileiras que o pós-modernismo estraçalhou as vanguardas, como a terrível, estapafúrdia e medíocre década dos 80 o comprova.  

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"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

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Minha foto
Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.