segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

"POLÍCIA É POLÍCIA, BANDIDO É BANDIDO"

A história do Cinema Brasileiro é mais complexa do que um roteiro com narrativa linear. 

A entrevista do José Padilha("Ilustríssima"- FolhaSP,04/02), como sempre muito rica em reflexões, mas atira para todos os lados como se ele próprio fosse o único "cavaleiro solitário" do velho oeste. Ao fim do duelo...generalizações. 

Acusar a falta de comunicabilidade do nosso cinema com temática policial à uma possível e recorrente narrativa "marxista"? Antes de José Padilha...antes do "Tropa de Elite"? 



Ora, basta dois exemplos, não mais que isto: 

1º "O ASSALTO AO TREM PAGADOR" (1962) de Roberto Farias;
2º "LÚCIO FLÁVIO, PASSAGEIRO DA AGONIA" (1976) de Hector Babenco.


Cada um em seu tempo foram sucesso de bilheteria, os dois estão na lista dos 100 melhores filmes do cinema brasileiro. Aliás, "Lúcio Flávio" foi realizado em plena ditadura do "esquadrão da morte" que ameaçou de sequestrar e matar o diretor Hector Babenco. Mesmo assim o filme fez 7 milhões de espectadores. Não consta que Farias e Babenco sejam marxistas.


Talvez, Padilha estivesse querendo citar Glauber Rocha, quem sabe a produção do "cinema novo", estes sim, se poderia dizer que realizassem filmes com alguma vinculação ideológica com o método dialético do marxismo. Infelizmente a narrativa dos filmes desta geração (Glauber, Nelson Pereira dos Santos, Diegues, Guerra, Hirszman, Joaquim Pedro entre outros) aconteceu e floresceu em plena ditadura e que através da censura puniu e frustrou que a narrativa destes jovens cineastas pudesse acontecer com liberdade. 

O roteiro dos filmes tinham uma narrativa metafórica, de subterfúgios num duelo barroco contra a liberdade de expressão no país. Sem falar nas limitações com o circuito de distribuição e exibição. Uma realidade que a geração de José Padilha não precisou enfrentar, mesmo que a estrutura desta repressão/corrupção policial ainda se mantém até hoje. 

No filme "Lúcio Flávio" (Reginaldo Farias) num diálogo entre o personagem título e o dr. Moretti (Paulo Sergio Peréio), policial corrupto ligado a tortura dos presos políticos e ao "esquadrão da morte": 

"- Polícia é polícia, bandido é bandido...".

Esse diálogo caiu na boca do povo ou melhor se espalhou pelo país através dos 6 milhões de espectadores.

MARXISMO & CINEMA BRASILEIRO

Ironicamente, hoje, a obra de Karl Marx (este ano completa 200 anos de nascimento) nunca como antes foi tão publicada, analisada, relida e estudada. Seus livros são os que mais vendem. Mais uma vez Padilha se equivoca, ele mesmo é fruto de conjunções históricos fundamentados numa perspectiva dialética, na medida que ele e a sua filmografia é fruto/consequência da filmografia produzida em nosso país. Ele realiza o sonho/desejo dos cineastas num diálogo direto com o público. 

Antes de Padilha o cinema brasileiro foi celebrado no mundo inteiro, influenciou e foi influenciado. Os grandes mestres do cinema se reverenciaram diante dos filmes de Glauber Rocha, por exemplo, Martim Scorsese, numa entrevista ao "Cahiers du Cinema" nº 500, se refere ao Glauber com um dos cineastas fundamentais em sua formação cinematográfica. Tanto que adquiriu os direitos para a restauração da trilogia "Deus e o Diabo", "Terra em Transe" e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro". São filmes que foram exibidos no Brasil, censurados ou veladamente censurados, não tiveram êxito de público mais causaram um reboliço na geração que se encontrava na linha de frente no confronto com a ditadura. Não foi pouco. O próprio Glauber teve que se exilar e passou quase dez anos fora do país. 



José Padilha, hoje, é um cineasta brasileiro do mundo, mas é fruto desta árvore genealógica do cinema brasileiro. Os temas dos seus filmes são os mesmos buscados por cineastas de outras gerações: População marginalizada da cidade e do campo, fome, impiedosa repressão policial, corrupção, política e políticos, Brasil e os brasileiros. Nada de novo neste cinema e também nada de velho, mas sempre os mesmos desafios que nós tentamos compreender e compartilhar.

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"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.