segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

OSCAR, O PÁSSARO ARQUITETO



"O que me atrai é a curva livre e sensual.
De curva é feito todo o universo.
O universo curvo de Einstein".
Oscar Niemeyer


Não consigo pensar no arquiteto Oscar Niemeyer sem lembrar do pássaro João-de-Barro (furnarius rufus). É uma imagem recorrente, numa espécie de fusão cinematográfica.

Ao depararmos com um projeto de arquitetura modernista de linhas curvas logo se vê que é uma obra de Oscar Niemeyer. E da mesma maneira é quase impossível não se reconhecer um ninho de João-de-Barro. Desde que o encontre, fato que está se tornando mais raro, segundo o meu conterrâneo José Ribamar Bessa, outro dia ele publicou numa crônica que esse pássaro encontra-se ameaçado de extinção. Personagem da paisagem rural, nas árvores, nos currais, aí se encontra uma casinha de barro, na forma arrendondada como as cúpulas projetadas por Oscar Niemeyer.

Com a aproximação implacável da vida urbana o João-de-Barro não se deu por vencido, tenta se adaptar e não se constrange em construir seu ninho nos postes elétricos e telefônicos. Como querendo acenar por mais uma chance de sobrevivência diante do avassalador "progresso" urbano. E da mesma maneira Oscar Niemeyer não se importar com as críticas e comentários sobre sua arquitetura, ele costuma dizer que o importante não é arquitetura, mas o homem. E se este ao construir com vidro, cimento e concreto, tornou-se numa referência símbolo das modernas edificações urbanas.
"João-de-Barro", o pássaro-arquiteto por excelência, é um símbolo da vida rural. Ele faz a sua casa de barro misturado aos gravetos, palhas e insetos como as malocas e casebres construídos pelos moradores da região rural brasileira - a taipa, num verdadeiro prodígio, a argamassa é atirada e socada, fazendo surgir um abrigo em perfeito equilíbrio orgânico contra o calor e frio, uma tradição que tem atravessado os tempos.

Eis um assunto aonde cinema, arquitetura e meio ambiente fazem um verdadeiro encontro da relação entre o homem e a natureza.

Oscar Niemeyer lembra-me Brasília, uma cidade projetada e construída a partir de sonhos, suór e polêmicas, eu na minha infância em Manaus, imaginava como seria construir uma cidade? No filme "O homem do Rio" (L'Homme de Rio,1964) podemos assistir o ator Jean-Paul Belmondo correndo e equilibrando-se perigosamente entre os andaimes dos edifícios do Congresso Nacional...Brasília, a Nova Capital, o encontro entre o litoral atlântico com a floresta amazônica, o Brasil vivia o frenesi do "novo", Juscelino Kubitschek de Oliveira, era chamado de "JK - Presidente Bossa Nova" e que por sua vez era a denominação da corrente musical brasileira que fazia fusão entre o ritmo das favelas com a batida sincopada nos apartamentos da zona sul carioca. As artes plasticas,o teatro e o cinema brasileiro apontava para uma tendência que ficou conhecida como Cinema Novo e é claro o Amazonas não poderia ficar fora destas novidades, os líderes populistas daquela época Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho logo cunharam como marca da sua administração, "Novo Amazonas”, e que tinha no restauro do Teatro Amazonas, depois de várias décadas literalmente entregue as traças. Numa cidade onde não havia quase nenhuma grande obra em construção, àquela visão do Teatro cercado de andaimes dava a impressão que se encontrava enjaulado ou como o "Mestre Joaquim", meu avô materno e mestre de obras, ironizava:

"- O governo do Novo Amazonas está encaixotando o Teatro Amazonas para enviar a Nova Capital".

Era uma típica piada daqueles tempos quando cinema de chanchadas, com Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade, Dercy Gonçalves, Ankito e outros comediantes como Juca Chaves faziam paródias sensacionais do dia-a-dia nacional.

Tempos depois fui estudar em Brasília, prestar vestibular para Arquitetura, quem sabe influenciado por esta atmosfera contagiante que foi o impulso criador de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, JK e tantas outras geniais personalidades. Ainda hoje, todas as vezes que retorno a capital federal, emociona-me a Catedral de Brasília, um projeto inspirado na fé, numa comunhão pelo encontro ecumênico de todas as emoções místicas da humanidade, uma casa, onde mora o deus plural.

Não poderia deixar de comentar sobre a consagração explícita na reprodução em larga escala, em todos os todos lugares, das colunas do Palácio da Alvorada. Poderia um arquiteto consagrar-se de uma outra maneira?

No último dia 15 de dezembro de 2007, o arquiteto Oscar Niemeyer completou um século, não apenas batendo o coração, mas com o discernimento e a criatividade em plena forma, ainda querendo ousar e manter viva a sua arquitetura de invenção.

Faz tempo que os argentinos adotaram o João-de-Barro como a ave símbolo, onde é chamado de "hornero" - "Ave de la Patria".

Podemos, nós, por aqui, adotarmos Oscar Niemeyer, como o arquiteto "João-de-Barro".


PS. Não deixe de assistir ao filme curta metragem "O João de Barro", de Humberto Mauro, 1956, 21 minutos.

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"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.