quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

RUBENS GERCHMAN - S.O.S. MAM



“Eu defendo uma visão lúdica da arte, ser criança seria a salvação de todos nós.” Rubens Gerchman,1971.


Como nos seus poemas-portáteis Rubens Gerchman resolveu virar uma escultura de ar e nuvens:

“AR”, “LUTE”, “SKY”, “PAISAGEM”, “ANARQUITETO”, “MATAVERDECEUAZUL”, “LUZAZUL”, “SELVA/GEM”, “MEMORY”, “SOS”.

Tenho deste artista-múltiplo, excelentes recordações numa mistura de gentileza e carrancas, ele ousava romper o silêncio e o vazio da repressão política e da autocensura, mantinha-se atento ao cotidiano e dele retirava o húmus das suas criações:

“O REI DO MAU GOSTO”, “CONCURSO DE MISS”, “REVOLVER DE BRINQUEDO”, “ÔNIBUS”, “ELEVADPR SOCIAL”, “O FUTEBOL FLAMENGO CAMPEÃO”, “OS DESAPARECIDOS”, “LINDONÉIA, A GIOCONDA DOS SUBURBIOS”, “A VIRGEM DOS LÁBIOS DE MEL”, “LOU-TRANSFERÊNCIA”, “BANCO DE TRÁS”..

Em 1971, em Nova York, organizou com outros artistas também morando no exterior (Hélio Oiticica, Lygia Clark, Sergio Camargo), o boicote da participação de artistas na Bienal de São Paulo (“Bienal da Ditadura”).

Quando retornou ao Brasil, Gerchman, em 1975, assumiu a direção da Escola de Artes Visuais - Parque Lage, considero como mais uma das suas generosas ousadias ao criar uma escola aonde a arte e a vida pudessem se expressar em sua plenitude e para alcançar este objetivo formou uma equipe da pesada: Hélio EichbauerRoberto Magalhães, Eduardo Sued, Celeida Tostes, Dionísio Del Santo, Gastão Manuel Henrique, Alair Gomes e Sergio Santeiro. Foi nesta época que tive a oportunidade de conhecê-lo como aluno da "Oficina Cotidiano" (criado por ele), uma irreverente proposta pedagógica que estabeleceu um núcleo criativo e participativo. Talvez algo semelhante às pesquisas (arte/psicanálise) da artista Lygia Clark.

Na "Oficina Cotidiano”, Gerchman estimulava os alunos a agir sem censura, sem limites, “asas a imaginação”, apresentar propostas de projetos os mais mirabolantes, podiam ser desde a “ expressão corporal”, “uma simples narrativa de um episódio familiar”, “um trauma na relação amorosa”, “um desenho”, “uma escultura”,”uma modelagem”, “a leitura de uma noticia de jornal, revista, livro ou algo que algum aluno coletou na rua, no ônibus, na praia ou...”.

Metaforicamente, podemos arriscar dizer que aqueles encontros “cotidianos”, serviam como uma catarse, um ensaio para os tempos em que se discutia “a abertura lenta e gradual da ditadura”, e nós brasileiros, tínhamos que re-aprender a falar livre-mente.

Quando um incêndio (1978) no Museu de Artes Moderna do Rio de Janeiro, consumiu o seu milionário acervo, logo ficou escancarado a “tragédia” que rondava (e ainda ronda) as instituições culturais no Brasil. Encontrava-se exposta uma retrospectiva da obra do artista uruguaio Joaquín Torres Garcia...tudo virou cinzas. Rubens Gerchman, Mario Pedrosa, Ligia Pape, Zuenir Ventura, Ziraldo, Bibi Ferreira, Roberto Pontual, Ferreira Gullar, Antonio Callado e outras personalidades cariocas criaram o movimento “S.O.S. MAM”.

O resultado foi uma manifestação popular em que se reuniram mais de três mil pessoas, desafiando as ameaças dos órgãos de repressão da ditadura, foram lidos dois manifestos, um por Ziraldo e o outro pela atriz Bibi Ferreira, neste manifesto fez-se uma relação metafórica com um incêndio na Amazônia (Pará), e que havia sido captado pelos satélites da NASA (noticiado naqueles dias) com o incêndio que consumiu em quarenta minutos o acervo do MAM.

Essa metáfora, infelizmente, ainda faz parte do nosso COTIDIANOFoi durante este episódio que Gerchman convidou-me para criar e dirigir uma ação coletiva com os alunos do Parque Lage, daí surgiu o TEATRO UR-GENTE:

Aurélio Michiles, Roberto Berliner, Bia Bedran, Juca Filho, Cláudio Nucci, Vicente Barcellos, Paula Pape, Evandro Salles, Fernando Lopes, Ademar, Camilo, Inês, Luiza, Lucas, Marina, Nícia, Rosana, Sheila, Paulo, Zéca, Joelson (percursionista), Zé Renato (violão e voz).

Com a participação das “baianas” das escolas de samba Beija-Flor e Portela e dos alunos da Academia Capoeira Angola de Mestre Morais, centenas de pessoas que carregavam faixas, atravessaram a passarela do Parque do Aterro do Flamengo e concentraram-se na marquise do MAM ao som de surdos e atabaques. Em seguida nós, os alunos do Parque Lage, surgindo de vários pontos daquele espaço incinerado, cantávamos “TERRA-TERRA(composição minha e do Zé Renato), carregando uma faixa com a seguinte palavra: "TRABALHOVIDA"


Em seguida faz-se a dramatização da obra de Joaquín Torres García – O PEIXE (uma das obras perdidas no incêndio), aonde lia-se: "ARTINDOAMERICA".


Ano passado encontrei Gerchman acompanhado dos artistas Cláudio Tozzi e Wesley Duke Lee almoçando num restaurante aqui em São Paulo, quando nos despedimos ele me lembrou:


"- Aurélio, ano que vem (2008) faz 30 anos do "S.O.S. MAM", temos que fazer alguma coisa".

Rubens, Soldades!

PS. ...e tem mais "Ver e Ouvir", de Antonio Carlos Fontoura, o "S.O.S. MAM", de Walter Carvalho e o belíssimo filme "TRIUNFO HERMÉTICO" (35mm, cor),14 min.,1971/72. Dir. e Rot.: Rubens Gerchman/ Dir. Fotografia e Câmera: David Zingg/ Música Original: Airto Moreira (Stanley Clark,baixo; Flora Purim,violão e vozes; Pat Nolan, flauta; Airto Moreira, percussão e flauta).

2 comentários:

Carlos Alberto Mattos disse...

Belas lembranças de um grande sujeito. Gerchman está no "Ver e Ouvir" do Fontoura também.

Renata disse...

O melhor professor que tive.

"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

www.tudoporamoraocinema.com.br

Minha foto
Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.