CRÔNICA DIVAGANTE E DE DÚVIDAS METAFÍSICAS DO QUE MORA SÓ, EM UM QUARTO
"Estou aqui deitado nesse quarto de um teto, um chão, três paredes e mais uma. Essa porta por onde eu não entro, eu me enfio.
Janela nenhuma, o quarto só dá vista pra mim mesmo, sem precisar abrir cortina nenhuma. Muito pior que qualquer mosquito é o zumbido dessas dúvidas que não morrem com flit e mais maçante que as baratas são as idéias que sobem pela parede e não morrem com sapatada.
Lá em cima tem um basculante que deveria funcionar como entrada de ar, mas que só serve mesmo para escoar pensamentos e o mau cheiro da memória e do “topa-tudo”.
No teto tem uma lâmpada que me apavora: o dia que ela queimar quanto tempo será que eu vou levar para substituí-la? Pelo menos o tempo suficiente para o dia clarear. As idéias continuam ainda e agora estou pensando que realmente os problemas do mundo não devem ser tantos e tão grandes assim; pois cabem todos aqui nesse quarto, junto com os meus.
A angústia maior é quando eu olho o relógio e vejo que um ponteiro está apontando a vontade de sair e conversar e o outro aponta a falta de onde ir e a preguiça de andar.
Às vezes não sei se esse quarto é pequeno ou grande, e me dá uma vontade louca de convidar os amigos para fazer uma partida de futebol aqui dentro, contra a tristeza driblar a solidão e ganhar de zero.
Esses livros espalhados pelo chão, são uns problemas sem solução. Ainda outro dia, quando entrei, escorreguei no CAPITALISMO, fiz um galo na cabeça e vi um monte de foices e martelos rondando e gorjeando na minha tontura.
Não consigo usar os óculos aqui dentro. Quando eu chego tiro o dito cujo e o penduro no nariz do meu quarto, pra ele ficar me espiando. Ele deve achar muito engraçado falando sozinho.
Fico pensando se sou eu que moro no quarto ou se é ele que mora em mim. Já que falei sobre lentes, eu tambem devo dizer que o capitalismo de tão caduco já está usando monóculo, mas tambem devo reconhecer que com esse revisionismo que há na Rússia, o olho de Moscou está precisando de uns óculos de grau.
As coisas que faço no quarto são tão rotineiras que estão ficando mecânicas, o que é muito perigoso, haja visto que outro dia quando voltei da escola, meu paletó me pendurou no cabide e foi fazer o exercício de matemática. Tem hora que eu fico meio biruta e tenho uma vontade de quebrar tudo.
Voltando ao capitalismo, ele é mesmo uma desgraça, basta dizer que os meus amigos estão ficando divididos em classes antagônicas e a minha vida está se tornando uma propriedade privada.
Acontece que divagar cansa e quando apago a luz para descansar, essa multidão de conhecidos que fica passeando pelo quarto não me deixa dormir e quando afinal consigo pegar no sono a B. chega e me acorda.
Será que eu moro aqui mesmo? Ou mais longe, na lua? Ou mais longe ainda, em Manaus?"
Paulo Rogério Menandro
Brasília, DF. 1968.
Paulo Rogério Menandro
Brasília, DF. 1968.
(*) Esta cronica foi escriita e dedicada à mim por um amigo de colegio (Centro de Ensino Médio Elefante Branco).
(**) A foto sob intervenção artistica é da autoria do meu filho Antonio (6 anos), ele considerou que o lugar aonde eu morava em 1968, era muito triste.
Um comentário:
Aurélio,
Agradeço sua participação no nosso blog.
Vamos manter o diálogo.
"Muito pior que qualquer mosquito é o zumbido dessas dúvidas que não morrem com flit"... Muito bom! Gostei das fotos - principalmente a da intervenção de seu filho.
Abraços,
Júlia.
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