terça-feira, 18 de novembro de 2008

AMAZONAS FILM FESTIVAL 2008


PÃO & CIRCO

       É sempre energizador retornar ao nosso canto, pisar firme na terra, respirar fundo, encontrar os amigos e manter a memória on line, paixão pura.

        O Amazonas Film Festival precisa assumir suas contradições e raízes. Não podemos esquecer que foi no Teatro Amazonas em que se exibiu numa das primeiras vezes um filme no Brasil. E aqui morou, filmou e morreu um dos pioneiros do cinema, o cineasta que em 1910 fez estágio nos laboratórios dos Irmãos Lumière (os inventores do cinema) e nos Estudios Pathé-Frères (2) mesmo assim esse fato encontra-se perigosamente ameaçado de re-interpretação, cujo ardiloso objetivo é minimizar a sua importância histórica, estou me referindo a Silvino Simões dos Santos e Silva (1886-1970).

        O cinema do Amazonas, da Amazônia e do Brasil pra existir tem que assumir as águas do rio caudaloso deste pioneiro: Silvino Santos. (3)

        Em 2009 completará 40 anos que ele foi re-encontrado e celebrado no I Festival Norte de Cinema Brasileiro (Manaus,1969), este de vida curta, como foi tudo naquela época pós- AI-5.Em seu discurso de agradecimento Silvino Santos defendeu o cinema brasileiro denunciando a excessiva presença da produção estrangeira, conclamando os jovens realizadores fazerem mais filmes."O fato é que a declaração do Silvino Santos foi um delírio no cinema, ele foi embora para casa e um ano depois morreu", relembrou Cosme Alves Netto.(4)

        Acredito que o nosso Amazonas Film Festival daria um salto qualitativo, se o seu desdobramento estivesse relacionado a uma ESCOLA DE CINEMA, esta ação transformaria o glamour que o caracteriza numa consagração entre amazonenses e o resto do mundo.

O POVO NÃO COME CULTURA?

         Nem queria cair nessa armadilha, mas não posso deixar de comentar sobre a desastrada declaração do nobre deputado Eron Bezerra (PCdoB-AM), “O povo não come cultura”, numa comparação oportuno-provocativa-populista entre a grana da saúde com a graninha da cultura.
 
        Logo vi nesse argumento um raciocínio juvenil (com todo respeito aos arroubos juvenis, mas quando feito pelos próprios, e neste caso foi utilizado por um antanho).

        O que pensaria o autêntico "Negão" - Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), filho de uma escrava maranhense com um português e que foi o primeiro governador republicano amazonense.(5)


         Eduardo Ribeiro assumiu o governo do Amazonas aos 28 anos - a idade do Che quando conquistou Cuba - e aos 38 anos foi assassinado -, sob o impulso rebelde militar-positivista ao encontrar os cofres públicos abarrotados de divisas, não pensou duas vezes, "vou transformar este amontoado de casebres cobertos de palhas, numa cidade moderna"
Entre os muitos monumentos erguidos, o Teatro Amazonas foi um deles. 

         Naquela época não faltou Eron's choramingando comparações. Mas o "Negão" sabia que para fazer um povo orgulhoso do chão e das suas coisas era preciso mais do que casebres cobertos de palhas, era preciso educação, saúde e cultura. O Negão estatizou o ensino, criou uma rede publica de educação, muitos dos edifícios projetados na sua época ainda se encontram em pé: Saldanha Marinho, José Paranaguá, Benjamin Constant entre outros... Manaus é uma das poucas cidades do mundo cujo monumento referencia, alem dos fenômenos naturais (o encontro das águas) é um templo gerador de cultura e entretenimento - TEATRO AMAZONAS

      E queria mais... Mas antes que desse prosseguimento as suas obras, Eduardo Ribeiro, foi morto... Os seus detratores o acusaram de "louco", "perdulário", "negro insolente", "viado"...

      O "Negão" apareceu enforcado num punho duma rede de dormir, os seus joelhos curvados, impossível morrer daquele jeito..lembram da farsa-suicídio Vladimir Herzog?

      Hoje o que ficou daquele fausto de riqueza, daquela disputa pelo poder foi exatamente o Teatro Amazonas.

ESCOLA LIVRE DO AUDIOVISUAL E OUTRAS MÍDIAS

      Com certeza estarei chovendo no molhado, mas vislumbro a criação duma Escola Livre do Audiovisual e Outras Mídias em MANAUS. 
   
       Existem muitos exemplos desde a Escola de Cinema de Santo Antonio de los Baños (Cuba) a Dragão do Mar (Fortaleza), mas a experiencia, o modelo que me bateu forte no momento é o festival internacional de filmes-documentários na cidade de Lussas, na França (6), esta minúscula cidade e que tem uma única avenida principal, vibra em festividades com realizadores de todos os lugares do planeta... Quando o festival acaba... A cidade se transforma numa das escolas de cinema mais importantes da França. Bacana, não?

       Contínuo confiante no espírito empreendedor e inusitado. Queremos uma melhor distribuição da riqueza, mas também de sabedoria, inteligência, sensibilidade, sem isso estaremos SEMPRE comprando gatos por lebres.PS. Foi justamente em plena recessão dos anos 30, quando milhares de norte americanos morriam de fome, foram produzidos filmes musicais (alegria, luxo e glamour) e ao mesmo tempo filmes com humor misturado com ácidas criticas as questões políticas e econômicas daquela época. Entre outros, por exemplo, os filmes de Frank Capra, sugiro assistirem “O Galante Mr. Deeds” (1936), estrelado por Gary Cooper, Jean Arthur, George Bancroff.

Notas
(1) Num June Paik, foto: Paulo Fridman
(2) Romance da Minha Vida – relato memorialístico, escrito por Silvino Santos um ano antes de falecer – inédito.
(3) O Cineasta da Selva, doc.,84 min.,1997. Dir. Aurélio Michiles
(4) No Rastro de Silvino Santos, Selda Vale da Costa e Narciso Julio Freire Lobo, SCA/Edições Gov. Estado,AM, Manaus, 1987.
(5) Teatro Amazonas, doc.,50 min., Brasil, 2002. Dir. Aurélio Michiles
(6) Lussas (França)
ÉTATS GÉNÉRAUX DU FILM DOCUMENTAIRE
17 a 23 de agosto de 2008
lussas.documentaires@wanadoo.fr / lussas.maison@wanadoo.fr / http://www.lussasdoc.com

3 comentários:

Manozito disse...

Manaus é gerador de cultura? Não gera nem energia direito. Em Manaus não há um musico, um escritor, um artista, imagine cineasta...Os que se dizem artistas não produzem arte pois estão presos nos mesmos signos e percepções acefalas, repetidoras... Manaus nunca foi cidade, sempre quis ser outras cidades, Paris, São Paulo curitiba.. A "produção astistica" da terrinha sempre ficou presa a subjetividade apassivadora apolinea da forma e copia...

"Manaus é uma das poucas cidades do mundo cujo monumento referencia..."...

Temos que parar de se ligar ao já constituido para construir o novo... Aquele teatro não tem importancia nenhuma. É simbolo da copia (vide Eduardo Ribeiro, e teatros parisienses) e da tentativa de colocar esta Mano na elite cultural do mundo.. Triste ilusão... Já se ve pelo Festival de filmes(e não cinema) de formas já constituidas, já feitas...
O povo que não se desvencilha das armadilhas de sua história não é povo... pobre do povo que precisa de herói....

Mas em algo concordo com você.... Eron Bezerra é um tapado. É um bezerro que segue o bando

Manozito disse...

Aprova o comentário, seja democrático

AURÉLIO MICHILES disse...

Manozito...tens razão ao teor do rancor, a nossa terra, como em muitos outros lugares, necessita de massa critica, pensamentos democratico-independente capaz de mover aquelas manifestaçõies nafastas em nosso Amazonas, mas não podemos esquecer de um Silvino Santos, Claudio Santoro, Thiago de Mello, Cosme Alves Netto, Marcio Souza, Milton Hatoum e tantos outros. E quanto ao Teatro e Eduardo Ribeiro, vamos conversar depois...realmete "pobre do povo que precisa de herói", mas pobre ainda é aquele povo que desconhece o seu passado, a sua história...

"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

www.tudoporamoraocinema.com.br

Minha foto
Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.