segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

DOIS GUERREIROS - Carlos Alberto Mattos

DOIS GUERREIROS
14, sexta-feira, fev 2014
Publicado por carmattos em Cinema


Duas figuras carimbadas do cinema brasileiro, mais ligadas aos bastidores que aos refletores, são objetos de novos documentários de longa-metragem. Sérgio Santeiro, curta-metragista histórico e professor de cinema da UFF, foi retratado por Miguel Freire em doc.Santeiro. Já o pesquisador e cinematequeiro Cosme Alves Neto ganhou um perfil do seu conterrâneo amazonense Aurélio Michiles. Em comum entre os dois, a importância da Cinemateca do MAM para a formação de algumas gerações.


Já vi o filme sobre Santeiro. É no MAM, seu berço cinematográfico, que ele aparece pela primeira vez para iniciar um depoimento biográfico que vai levá-lo também ao seu habitat niteroiense, onde mora e trabalha. Lá está ele com sua cabeleira leonina, unhas enormes, camisas ultracoloridas, calças largas, sandálias havaianas e uma disposição sem fim para defender o que entende como um cinema legitimamente brasileiro e independente. Junto com uma espécie de balanço de vida, Santeiro discorre sobre seus filmes – desde o primeiro, Paixão, de 1966 -, a importância dos festivais de cinema amador dos ano 1960, a fundação da Associação Brasileira de Documentaristas e outros assuntos.

As referências podem soar idiossincráticas (“Somos descendentes, mas não continuadores do Cinema Novo”; “O futuro do audiovisual converge para a televisão”), mas é inegável a coerência com que ele expõe a verve inconformista que já o colocou no centro de grandes discussões do cinema brasileiro.

Ouvir de um professor universitário que “cinema não se aprende na escola” é uma senha para o pensamento de Santeiro a respeito do ofício. Quanto à sua vida pessoal, entreaberta no filme, nota-se um misto de convencionalismo familiar e misantropia no geral. Santeiro parece muito firme ao supor o que os outros acham dele, sobretudo pela fama de polêmico e intransigente. Chega a admitir que um neto de sete anos é “o único com quem eu me comunico facilmente no mundo”.       

Miguel Freire constrói o filme com delicadeza, conduzindo seu personagem aos locais escolhidos e deixando-o à vontade para falar. Inclui trechos de seus curtas e nos brinda com um retrato íntimo que precisava mesmo ser revelado. Santeiro é um pequeno mito do cinema brasileiro.

Ainda não vi Tudo por Amor ao Cinema, o filme sobre Cosme Alves Neto, mas sei que, segundo o diretor, ele “não somente destaca fatos e episódios da sua trajetória através de depoimentos de amigos, familiares e profissionais que conviveram com ele em diversas situações, revelando ao público a sua personalidade e a sua importância como referência histórica para o cinema brasileiro e latino-americano, mas também é uma oportunidade para falar o que foi o cinema, os cinéfilos – na geração do Cosme”.

Com tenacidade exemplar, Aurélio Michiles vem tocando esse projeto desde 2008. Em 2010, começou a tomar depoimentos para compor o perfil do Cosme. Eu mesmo fui um dos entrevistados, juntamente com Eduardo Coutinho, Carlos Diegues, Sérgio Augusto, Nelson Pereira dos Santos, Regina Miranda, Fabiano Canosa, Guido Araújo, a atriz cubana Daisy Granados, Arnaldo Carrilho, Claudio Valentinetti, Oswaldo Caldeira, Vladimir Carvalho, Walter Carvalho, Andrea Tonacci, Hernani Heffner, Geraldo Moraes, Anna Arruda Callado, José Carlos Avellar, Jurandyr Noronha, Marcio Souza, Miguel Pereira, Silvio Tendler, Gloria Maria Barbosa (viúva), Vanessa Barbosa Ferreira (filha), Maria do Rosário Caetano e outros.

Aurélio dá uma ideia de como vê seu personagem:

- Cosme amou e arriscou a própria vida pelo cinema. Foi preso e torturado por duas vezes. Como curador da Cinemateca MAM-RJ (1965-1985), fez daquele espaço um lugar de coexistência num momento em que tudo era proibido e perigoso. Por exemplo, o negativo do filme que viria se tornar Cabra Marcado para Morrer ficou guardado clandestinamente na reserva técnica da Cinemateca do MAM sob o nome falso de “Rosa do Campo”.


Ele destaca o depoimento de Eduardo Coutinho como “uma reflexão política, filosófica, estética, técnica e afetiva sobre o cinema no seu sentido mais amplo”. Pretende incluir a íntegra da fala de Coutinho no futuro DVD do filme. 

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"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.