quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O UIVO SENTIMENTAL DO NOSSO TEMPO



A Amazônia é, sem duvida, o maior banco genético do planeta.
Todas as conquistas, todos os engenhos que fazem do Homem um animal singular em comparações aos outros animais, só tem nos levado ao impasse entre produzir riqueza e reduzir as carências relacionadas à miséria humana. E aqui nos referimos tanto ao existencial quanto ao social. Nos dias presentes nos defrontamos com a ameaça de levarmos a destruição do planeta, somente pela exploração à exaustão dos recursos naturais. É fato, aonde o homem permaneceu, aí nada ou quase nada restou da natureza que ele encontrou.

É fato também que a Amazônia tem sido referencia do fantástico, da panacéia, da cobiça humana ou como a ultima fronteira a ser conquistada. Caso aqui sobreviva um dos últimos lotes do Éden, segundo o Gênesis da civilização judaico-cristã, temos que lembrar que Deus, depois de trabalhar incessantemente durante seis dias, não esqueceu de garantir o direito ao descanso, e assim abençoou e santificou o sétimo dia. E esta relação entre o trabalho e o lazer, entre o racional e a intuição tem permeado a nossa geografia humana, seja com a população dos povos da floresta, seja com a população urbana. Aqui curiosamente o arcaico e o moderno se misturam permanentemente, como um simulacro, aquela primeira impressão do encontro das águas do rio Negro com o Solimões.

A Amazônia tem sido e muito mais nos dias contemporâneos uma referencia emblemática, uma personagem substantiva dos negócios relacionados a biopirataria. Não podemos esquecer que a história das civilizações tem sido a história do roubo de plantas. E aqui quero me reportar a ação articulada com inteligência e persistência que resultou no contrabando das sementes da seringueira. Esta única planta do nosso Banco Genético que transformou radicalmente a permanência do Homem no Planeta Terra – seja socialmente, economicamente e culturalmente.

Sim, foi o leite da seringueira, que possibilitou a expansão urbana, as aglomerações metropolitanas e cosmopolitas, não é coincidência que a coleta da borracha acontece concomitante a invenção do automóvel e dos aviões, por conseguinte a sua produção numa linha de montagem. Não estou querendo fazer uma mera revisão nostálgica, mas aproveitando a data celebrada do Primeiro de Maio para falar justamente do trabalho.

AMAZÔNIA - ESCRAVIDÃO DO DÉBITO

Já no início do século XX, a polonesa Rosa Luxemburgo, no seu livro A Acumulação do Capital, identifica no modo e nas relações de trabalho que os ingleses estavam implementando entre os seringueiros e por conseguinte em toda malha do sistema produtivo e de comercialização na Amazônia, a sinalização da nova estratégia de exploração e conquistas econômicas. Ela referia-se a “escravidão do débito”. Sim, a dissimulada relação de domínio onde o trabalhador se mantem dependente através da dívida. Algo semelhante às relações que vai predominar ao longo do século XX e principalmente com a economia neoliberal sob a égide do mundo globalizado – todos os cidadãos têm créditos desde que façam débitos. Daí a virtualidade do dinheiro substituído pelos cartões créditos. Aquela ação da “escravidão do débito” entre as relações de comercio da borracha foi apelidada pelos ingleses como “truck”, sim, o popular “truque”. Esse veículo capaz de transportar grandes quantidades de cargas.

Com certeza nossa história é marcada por esse ciclo econômico, quase como um signo indelével ou perguntas a serem respondidas, alem daquelas que sempre recorrem a simplificação destes fatos, como mero extrativismo, loucura, delírio, luxuria e todas aqueles relatos que dão conteúdo folclórico aquilo que deveria ser reflexão científica. As gerações de amazonenses nascidos até no final dos anos sessenta, com certeza são marcados pela testemunha perturbadora das consequencias deixadas pela decadência econômica da borracha. Mesmo assim jamais deixamos de ser parte inalienável deste Banco Genético, seja da sua paisagem aquática como da potencialidade da sua flora, por outro lado, encontramo-nos umbilicalmente contatados pela presença onipresente do TEATRO AMAZONAS, ele sinaliza que o bárbaro e o civilizado encontram-se, pelo menos aqui, permanentemente relacionados: o trabalho e o lazer, as conquistas materiais e as conquistas espirituais.

É quase certeza que grande parte destes fatos não são nenhuma novidade. Nós sabemos, o quanto já fomos personagens nas memórias e relatos daqueles que aqui nos visitaram e com eles levaram as mais contraditórias das impressões, mas pelo menos numa delas existe uma confluência de sensações, ainda não existiu aquele que ficou indiferente a paisagem deste lugar, o nosso lugar – a Floresta Amazônica e nela a audácia arquitetônica do Teatro Amazonas.

AQUELA SELVA ERA TÃO SELVAGEM

Todas às vezes que recorro a memória sempre lembro de “A Divina Comédia” de Dante Alighieri importante obra da Idade Média, principalmente aquele trecho em que o autor descreve sua odisséia pelas trevas infernais: “Quando eu me encontrava na metade do caminho de nossa vida, me vi perdido em uma selva escura, e a minha vida não mais seguia o caminho certo. Ah, como é difícil descrevê-la! Aquela selva era tão selvagem, cruel, amarga, que a sua simples lembrança me traz de volta o medo”.

Assim como dos livros "A Educação Sentimental" (1869), de Gustave Flaubert para quem sua época " é a história moral de minha geração". O mesmo diria sobre o poema emblemático de Allen Ginsberg, "Uivo" (1956):
"eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa...".

Entretanto não posso deixar de citar o livro do poeta amazonense Thiago de Mello, “Faz escuro, mas eu canto”. Apesar de ter sido escrito em 1964 (e por isso mesmo), esse é um título que por si, carrega significados que transpassa gerações pelo reflexo aos sentimentos de sofrimento e agonia relacionados contexto da época. Neste sentido é uma imagem recorrente da “A Divina Comédia”, de Dante, cujo personagem encontra-se perdido numa “selva sombria e escura”.

O que esses autores tem em comum? Tudo.

Esses trabalhadores da criação desejaram e conseguiram transformar seus depoimentos num testemunho singular da sua época, mesmo em detrimento da incompreensão dos seus contemporâneos, tanto Flaubert, Ginsberg, Dante e Thiago tornaram suas obras numa referencia necessária do seu tempo.

TRINTA ANOS ESTA NOITE

Ainda na busca de referencias sobre a excelência das memórias, também recordo do filme de Louis Malle "Trinta Anos Esta Noite" (Le Feu Follet - 1963), literalmente uma balada da desesperança, onde se aborda sem concessões o suicídio, resumindo-o numa derrota ao conhecimento, a crença e a vontade. Em síntese, são as últimas 48 horas de um homem totalmente perdido e que volta a Paris e, através dos bares e de velhos amigos, começa uma espécie de busca de si mesmo na reconstituição do passado. Quando assistir, deveria ter uns 15 anos e o filme causou-me medo, despertando o demônio do horror, numa espécie de "selva sombria".

Naquela época em que esse filme foi realizado, sua história foi interpretada como um arrobo "niilista", "existencialista", "decadente", etc. Como se diz hoje, não era politicamente correto (à direita ou à esquerda). Havia um patrulhamento sedimentado na concepção característica do século XX: o voluntarismo revolucionário, no imenso desejo de se colocar na vanguarda dos
sentimentos de inquietação, reacender as chamas da utopia, através dos séculos.

As obras de arte sejam na literatura ou no cinema, elas são partes objetivas da realidade em que foram criadas. Neste sentido podemos identificar uma relação dinâmica entre o trabalho físico e o intelectual, numa relação de mútua dependência. Colocadas hoje, parece até que sempre foram compreendidas desta maneira. No entanto, demorou séculos para os homens compreenderem o diálogo entre as forças produtivas e a história.

TEMPOS VITORIANOS E A VITÓRIA REGIA

Durante todo o século XX ecoava a frase lapidar, “um fantasma ronda a Europa”.
Era um presságio sobre fim dos “sólidos impérios”, eles estavam com seus dias contados e o poder trocava de mãos. Depois de duas grandes guerras, o mundo dividiu-se em territórios sob a influencia de um restrito grupo de potências. E veio a Guerra Fria, os países vitoriosos, como a URSS e os EUA, seguiam caminhos diferentes. Um propunha uma sociedade cuja economia estivesse centralizada no Estado e a outra no Mercado. Enquanto que a Grã Bretanha "o império aonde o sol nunca se punha" encontrava-se sob feito crepuscular, mas deixava como herança a utopia revolucionária relacionada à propostas coletivistas. E estas se encontravam sedimentadas nas teses filosóficas do alemão Karl Marx e do britânico Friedrich Engels. Visto, pelos olhos de hoje, somente eles poderiam propor algo novo. Afinal eles eram filhos daquela realidade, testemunha ocular e privilegiada do desenvolvimento econômico britânico. Eles anteviram que era preciso reorganizar o modo e os meios de produção, e também os seus resultados (quer dizer, os LUCROS), senão haveria um colapso na demanda que se anunciava - a sociedade de massas.

Eles acreditavam que a nova sociedade deveria estabelecer regras claras e disciplinadoras, onde o Estado atendesse a essas demandas: a linha de montagem, o bem estar social estabelecendo relações cordiais, não aviltantes entre as classes, ao contrario o que se vivenciou na Inglaterra daqueles tempos “vitorianos”.

OLIVER TWIST E OS CURUMINS

Nos romances do escritor Charles Dickens (1812-1870), sobretudo “Oliver Twist” (1839) se pode até hoje identificar as fissuras daquela realidade. Quando Dickens começa a publicar os seus romances, tem à sua disposição um público formado pela revolução industrial. Londres tem mais de um milhão e meio de habitantes, devido à explosão demográfica e a um êxodo rural que expulsa os camponeses das suas terras. A indústria têxtil servirá de emprego para estes espoliados. A perversa paisagem social expõe-se na exploração do trabalho infantil, como um dos pilares da economia inglesa. E é sob esse impacto e desejando denunciá-lo que Dickens escreve “Oliver Twist” – um órfão entre as centenas que perambulam pelas ruas de Londres, disponibilizando a toda sorte de exploração. Lá ele é recolhido das ruas por um ladrão que o leva a um velho que comanda um exército de prostitutas e pequenos marginais.

O CAPITAL NÃO TEM PÁTRIA

Como é mostrada numa peça (opereta) de Bertold Brecht e Kurt Weill, "A Ópera dos três vinténs” (1928), inspirada na opereta inglesa "A Ópera dos Mendigos” (1728), de John Gay. Tanto um como o outro, conta a historia das relações promíscuas na fundação e origem do poder econômico, político e social.

Contemporaneamente podemos identificar o cinismo e o vale-tudo arrivista transpassando qualquer ética coletiva ou moral individual : “o Capital não tem pátria”. Brecht escreveu aquela opereta logo após a leitura d´O Capital de Karl Marx, e aí aproveitou para discutir as relações entre os "pequenos delitos", "as pequenas corrupções" e "os grandes e respeitáveis crimes" através da estória entre o chefe de policia, o chefe dos mendigos e o bandido n.01. Eles ficam 95% do espetáculo perseguindo e chantageando-se uns aos outros. No final, o "happy end": como não estão obtendo lucros ao qual se encontravam acostumados, portanto aquela situação só trazia mais prejuízos no desenvolvendo dos seus negócios, resolvem assinar um armistício:

"-Vamos fundar um Banco?"
"- Afinal qual a diferença entre assaltar um Banco comparada a fundação de um Banco?"


Metáfora? Sim, com certeza, é o fim de mais um Império. Afinal o jovem Marx identificou na solidez do capitalismo emergente a semente de sua antítese com aquela célebre frase "tudo que é sólido se desmancha no ar". De fato o capitalismo não se desmanchou mas revelou uma enorme capacidade de transformar-se para sobreviver as suas contradições. Daí a transcendência histórica dessa frase. Existe algo mais expressivo que esta frase? O próprio Winston Churchill com suas frases afiadas é um representante concreto desta simbologia recorrente. Não é pra menos que Churchill com sua força de líder carismático ficou conhecido também como "o coveiro do império".

O DIA DO TRABALHO

Conto e refiro-me a esses fatos para comemorar o Primeiro de Maio - o Dia do Trabalho que celebra a figura do trabalhador. Como todos sabem, a data tem origem numa greve operária iniciada em 1º de maio de 1886, em Chicago a época o grande pólo industrial nos Estados Unidos. Os objetivos dessa greve se definiam por melhores condições de trabalho e redução da jornada de trabalho que costumava ser de 14 horas diárias. Essa manifestação de protesto serviu como justificativa para a repressão policial, que acabou em mais de cem mortes e a prisão de dezenas de militantes operários. Este episódio ficou conhecido como "Os Mártires de Chicago" e se tornou símbolo da luta trabalhista mundial. Infelizmente muitas pessoas pensam que se trata de um feriado decretado pelo governo; outros imaginam se tratar de um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos "seus" trabalhadores. Também existem - ou existiam - aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para exibir o poder do Estado e dos burocratas.

TEMPOS MODERNOS

É possível que se essa realidade não tivesse sido analizada sob a ótica econômica, política e social nos escritos de Marx e Engels, o mundo moderno não existiria como conhecemos atualmente: a linha de montagem (implantada por Henry Ford, nos EUA), sindicatos de trabalhadores e patronais, ensino publico (sobretudo universitário), as leis trabalhistas, em outras palavras o Estado de bem-estar social.

A arte serviu também ao famoso cineasta Charles Chaplin, uma criança pobre de Londres que através de sua sensibilidade criativa conseguiu escapar do destino trágico da maioria dos seus iguais. Num dos seus filmes, ele faz uma corrosiva e irônica crítica a monotonia e alienação do trabalho repetitivo na “linha de montagem”: “Tempos Modernos” (Modern Times, 1936).

Mesmo que essas conquistas estejam, hoje, sendo colocadas contra a parede do “desmanche” do consenso de Washington como nas recentes manifestações estudantis na França, estamos vivenciando uma outra onda, num outro alinhamento, um deslocamento de interesses e de acumulação da riqueza. Hoje se ouve falar de “serviços”, “terceiro setor”, questões novas para o cotidiano, o mundo “on line” relacionadas as “infovias”. Os "manifestos" impressos manualmente e afixados na calada da noite nos postes das ruas sombrias de Londres no século XIX, hoje são os “blogs”, cada cidadão, cada indivíduo tem diante de si o mundo inteiro para expressar e fazer multiplicar suas idéias planetariamente. Este novo alinhamento ainda não tem uma ideologia filosófica evolutiva. E, no entanto, apesar destas conquistas tecnológicas e cientificas contemporâneas, todos aqueles fatos relatados acima, como conteúdo da literatura, ainda permanece na paisagem urbana das grandes metrópoles.

Está na moda falar de determinados vultos históricos. É próprio de uma época que se encontra na busca de personagens depositários da moral de um povo, de uma nação ou de uma civilização. No plano internacional, destaca-se a figura de Churchill ativo protagonista de uma intensa e portentosa vida política e parlamentar que se estendeu por mais de meio século. Fala-se das suas qualidades, das suas previsões ou dos seus “bordões” tais como:
“A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos”.

JK, JÂNIO E A CORRUPÇÃO

A nível nacional é a recorrência em fazer loas às qualidades do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Entretanto não é demais lembrar que ele foi derrotado por um adversário que fez símbolo da sua campanha uma “vassoura” para limpar toda a sujeira, eufemismo de corrupção que o país estaria imerso, segundo o candidato Jânio Quadros, eleito como uma montanha de votos. Jânio renunciou, enquanto o legado de Juscelino é denominado como a “era JK”, referência de arrojo, modernidade e auto-estima.

E sobre o presidente Getulio Vargas? Outro vulto histórico sempre lembrado, o que podemos falar? Desejo afirmar que apesar de sua longa permanência no poder, com períodos duros de repressão jamais esqueceremos que foi no seu governo, que foram feitas as mais significativas conquistas sociais e trabalhistas.

No período do chamado Estado Novo sob um governo que constitucionalmente renega a “democracia-liberal” em favor de um “governo-ditatorial” Getulio cria regras entre o “trabalho-capital” através da Justiça do Trabalho: a jornada do trabalhador é regulamentada, as demissões sem justa causa ficaram proibidas e o trabalho infantil e feminino obtiveram uma legislação especial, e no ano seguinte, em 1940 todo trabalhador brasileiro tem direito ao rendimento mínimo obrigatório, “o salário mínimo”. Com essas ações fulminantes, criadas ao arrepio de um governo constitucional Getulio Vargas arranca as bandeiras dos partidos de esquerda e passa a ser cultuado como - o pai dos pobres. Mas como sabemos no final do seu governo é acusado de desmandos administrativos e cria-se a imagem do “mar de lama”. Getulio Vargas reage com um gesto inusitado para o “modus operandis” dos políticos brasileiros: suicida-se para defender a dignidade que lhes restava: a morte - “saio da vida para entrar na História”. Mas seu legado está mimeticamente identificado com o Primeiro de Maio – o dia do trabalhador. É dele o bordão:
“- Trabalhadores do Brasil!”

MEU PAI E MARYLIN MONROE

E por falar nesses fatos, vou contar-lhes uma história narrada a mim por meu pai. Ele era um adolescente quando escutou no final dos anos 20 que os norte-americanos estavam construindo uma cidade industrial à margem do rio Tapajós - a Fordlândia. Eles pagavam salário, casa pra morar, com água encanada, chuveiro, torneira, vaso sanitário, caixa-d’água, luz elétrica, escola, hospital, férias remuneradas e tudo mais que ninguém nunca imaginou. Meu pai não acreditou, desconfiado pediu pro sujeito recém desembarcado nos beiradões do rio Maués que contasse mais...Salário, o que é isso? Ele que vivia por ali trabalhando duro, extraindo daquela selva e rios o que eles pudessem dá para seu sustento e da sua família, havia vislumbrado naquela história uma possibilidade de melhorar na vida. E decidiu rumar pra sua casa, contar a sua mãe, arrumar a maleta e partir para o sonho. Minha avó, com voz firme e olhar resoluto, colou-se a sua frente e não permitiu de maneira alguma que ele partisse. Ela passou-lhe um ralho.
"– Que maluquice, uma coisa assim não deveria existir, com certeza."

Meu pai recuou, deixando de lado aquele sonho e obediente resolveu ficar na realidade do seu cotidiano, cortando pau-rosa, nem mesmo sabia o real destino daquelas toras. Na França, a essência extraída daquela árvore seria utilizada até a exaustão num famoso perfume. Sim, aquele, de quem Marylin Monroe declarou ao ser indagada com que se vestia ao dormir:
“- com duas gotinhas de Channel n.05”.

Vivemos num tempo de incertezas, cada cidadão, cada indivíduo sente-se ameaçado na sua sobrevivência, as ofertas de trabalhão rareiam e isso não é apenas uma questão do terceiro ou do quarto mundo, é uma crise enfrentada nos países do primeiro mundo – o emprego, o trabalho remunerado. Recentemente, assistimos por toda parte do mundo, manifestações em defesa pela garantia da sobrevivência remunerada, todas elas exigiam uma só reivindicação: Trabalho.

ARTESANAL E O DIGITAL

Manaus, a capital do Amazonas, cidade aonde nasci, tornou-se numa das mais populosas cidades brasileiras, quase dois milhões de habitantes. Uma consequencia direta causada pela oferta de trabalho no Pólo Industrial de Manaus onde estão instaladas centenas de indústrias.

A riqueza produzida nesse pólo industrial faz do Amazonas um dos maiores PIB do país. Esse evento institucional sobre um Estado Industrial e Sustentável me fez lembrar da relação campo e cidade, rural e urbano, artesanal e digital, sagrado e profano ou em tudo que nos têm levado ao “progresso e ao desenvolvimento”. Aqui está, mais uma vez, a paradoxal realidade da nossa região, o convívio entre o arcaico e o moderno; a síntese entre o artesanal e o digital. São questões que nos desafiam a respondê-las.

O HOMEM IRMÃO DO HOMEM

Como havíamos afirmado no início deste relato sobre os escritores Dante Alighieri, Gustave Flaubert, Allen Ginsberg e Thiago de Mello eles que conseguiram transformar seus depoimentos num testemunho singular da sua época, mesmo ao preço da incompreensão dos seus contemporâneos. Tanto estes como aqueles, tornaram suas obras numa referencia necessária do seu tempo. Nós aqui na Amazônia, também temos uma obra fundamental, aquela que nos remete como um antídoto contra as incertezas, numa crença peremptória nos sonhos da humanidade. Refiro-me ao poema Os Estatutos do Homem, do poeta amazonense-de-todo-o-mundo Thiago de Mello. Ele clama por um desejo fraterno – “o homem irmão do homem”, um conceito nos dias de hoje fora de moda, mas que com certeza significa a ancestral luta pela nossa permanência e sobrevivência neste belo Planeta Terra.

AURÉLIO MICHILES, 01.05. 2006.

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Minha foto
Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.