sexta-feira, 23 de novembro de 2007

DEU NA TV,ESTOU NO YOUTUBE: DOCUMENTÁRIO OU FICÇÃO?


A aventura do cinema é uma viagem que vai do teatro das sombras, a invenção da fotografia no século XIX, século XX ao século XXI – a era da imagem digital, virtual e outras mídias. E como todos nós podemos constatar em nosso cotidiano, as imagens em movimento se transformaram numa espécie de segunda pele. Admiramos, contemplamos, assistimos e interagimos com elas. Há mais de um século que o cinema faz parte da vida de todos nós. Ele nos envolve e emociona.

E a Amazônia? O quê tem haver com toda essa história?
Com certeza tem muito. Diríamos que a Amazônia faz parte deste imaginário numa curiosa relação da invenção do cinema com a Amazônia, sim, desde o principio o cinema esteve presente entre nós, forjando um imaginário sobre nossa região, ora como ficção, ora como documentário. Com certeza estamos nos referindo ao cineasta pioneiro Silvino Santos (1886-1970), a sua produção é um dos maiores legados sobre nossa paisagem natural e humana.

Mas isto não quer dizer que os documentários realizados por este pioneiro estejam mais próximos da realidade, muito ao contrário, muitas vezes o documentário tem fomentado a idealização exacerbada sobre o conteúdo dos fatos sobre o qual desejamos mostrar.

Neste sentido a Amazônia tem sido aquilo que fazemos dela ou faremos com ela. É a nossa imagem e semelhança.

Ela é fruto de idiossincrasia daqueles que por aqui passaram como visitantes ou mesmo como habitantes. Sejam através das interpretações dos povos indígenas ou na visão delirante das Amazonas, as guerreiras mitológicas do espanhol Francisco Orellana, mas do meu ponto de vista a imagem mais prodigiosa e instigante é a denominação Maranhão, emaranhado, labirinto.

Tudo isso me faz recorrer às metáforas do emaranhado de mega-pixels que nos envolve em nossa contemporaneidade igualmente pelo emaranhados das árvores, plantas e cipós que se refletem como paisagem instigante na superfície das terras firmes ou nas águas dos rios.

Essa paisagem é um tema recorrente, ela, hoje faz parte do espelho refletindo numa mesma imagem, refiro-me agora a aparente solidão, aquele olhar do viajante numa panorâmica interminável e até mesmo num aborrecido plano sequencia. E aí, está fronteira entre aquilo que observamos e aquele outro lado que não conseguimos enxergar, este, é, portanto o nosso fio da meada.

O mundo de fronteiras. Devemos atravessá-lo, descobri-lo, seja através de uma interpretação ficcional ou documental. Ainda diante das possibilidades tecnológicas contemporâneas, estes desafios se tornam cada vez menores. Mesmo se falamos o mesmo idioma ou não, tanto faz, a nossa comunicação, esta ferramenta utilizada pelo homem, que ensina, confunde e assusta, é nosso único fio solidário.

Nunca e nenhum outro estágio da nossa presença no planeta, os seres humanos migraram, transferiu-se de lugar para outro como nos últimos vinte e cinco anos. Eles deslocam-se em massa.

Mesmo assim não formam um amálgama como foi ou é dito com orgulho sobre a miscigenação brasileira, hoje, o que prevalece é o gueto e a permanência de características fundamentalistas que o identificam como povo singular, habitando em terras estrangeiras. Neste sentido, vários lugares assumem como referência paradigmática e, podemos afirmar que um deles é a Amazônia.

A diáspora na realidade brasileira é muito recente, até nas ultimas décadas do século XX, nós conhecíamos brasileiros vivendo no exterior por questões políticas e não como opção de sobrevivência, numa busca por uma vida melhor. O Brasil sempre acolheu aqueles cidadãos vindos de todos continentes aqui chegavam para “fazer a América”, hoje esse movimento se inverteu, agora são os brasileiros que tenham ou não ancestrais no exterior que invertem o fluxo migratório. Quanto a Amazônia podemos ressaltar a contribuição dos imigrantes nordestinos, foram eles que reinventaram um outro rosto, aquele que alterou a exclusividade do rosto único indígena. E aqui se faz necessário lembrar que a Amazônia é brasileira, mas também peruana, colombiana, equatoriana, venezuelana, guiana... Suas fronteiras sempre foi uma passagem viva, globalizada entre os diversos povos que aí habitam. Este é um assunto recorrente no universo das imagens dos filmes documentários (ou não), a questão das fronteiras migratórias nas diversas visões sobre a imigração ilegal.

Seja sob qualquer outro assunto a Amazônia está presente no cotidiano da humanidade, ela representa desespero e esperança – a nossa ficção ou o nosso documentário. É uma imagem retida na retina do planeta.

A devastação das florestas, assoreamento de rios e lagos, inversão climáticas, derretimento das regiões geladas planeta afora, mega
aglomeração urbana, o certo é que as imagens nos chegam de todas as partes, a qualquer hora, não se submete a fusos horários. Sob o efeito da globalização surtiu um outro efeito, o da desconstrução de territórios e das linhas imaginárias. Em confronto a globalização que parecia zerar a tudo e todos, o que vivenciamos é o contrario, a permanência fundamental de culturas construídas a partir das crenças desenvolvidas em geografias determinadas: nada mais é estranho e o estranho é o estranhamento diante do outro, porque o outro sou eu mesmo. Nada nos choca e nos assusta. Parece não existir o medo e nem o horror. Os sinais dos celulares e da internet são flechas em busca de alvos certeiros: a intercomunicação interpovos, e eles não são apenas meios auditivos, mas transmissores de imagens.

A transmissão ao vivo do homem pisando na superfície lunar, no final da década de sessenta, foi a desconstrução da linha imaginária construída ao longo de milênios no inconsciente da humanidade. O homem pisa na Lua, observa como um voyeur à imagem do nosso planeta, o nosso lar, vista pelos registros alem do cosmos. Essa janela indiscreta nos despertava para a verdadeira dimensão da nossa frágil existência, o referencial diminuto e desproporcional diante do universo. Somos parte da poeira cósmica.

A incompreensão diante deste fenômeno levou a despolitização das imagens e nos conduziram ao mundo dessacralizado, talvez por isso essa necessidade premente das religiões, das tribos e da família. Hoje, todas as ofensas, oferendas são emitidas ao redor do altar da imagem através das novas mídias. E todos desejam servir a esta seita, nem que seja por um segundo, desde o exibicionista que se masturba, pratica sexo ou o terrorista homem-bomba, todos querem beber no altar da fama, senão suas “verdades” não existem.
A questão se resume naquilo que “deu na TV.

Diante desta desconstrução de identidades, o cinema documentário surge como reação para reencontrarmos nossa autoestima, daí a sua repercussão como linguagem e gênero nos nossos dias.

É diante desses fatos que o cinema toma forma de um espelho que somente a ficção não dá conta e aí, como todos os dias nossos olhos, ouvidos e cérebros armazenam imagens de pessoas que morrem assassinadas ou mortas nos atentados à bomba ou bombardeadas por máquinas aéreas. Seja em Manaus, em Curitiba, Fortaleza, Rio de Janeiro, Iraque, Tel-aviv, Nabus, Líbano, Iquitos, Letícia, Caracas, Santa Cruz de La Sierra, São Paulo, os registros das imagens das pessoas que vivem nesses lugares, testemunham e dão visibilidade as suas tragédias, e através delas que todos nós podemos nos tornar cúmplices ou meros espectadores.

Em tempos de tecnologia digital, a atividade audiovisual é cada vez mais democrática. O fascínio pela imagem também se reflete na procura pelos cursos de audiovisual, cada vez mais concorridos. Os resultados vêm no mesmo ritmo: a produção audiovisual tem crescido vertiginosamente. E é por isso que, os festivais de cinema, tanto nacional como internacional, abrem-se sem preconceitos para as produções em vídeo, formato que está mais próximo dessa nova geração de realizadores.

Somente com esses dados sob controle do realizador é que ele poderá decidir qual conceito técnico e estético que deverá assumir. Mecânico, digital, câmera na mão, celular, um minuto, curta, media ou longa-metragem.

Diante das sucessões de imagens em movimentos que nossos cérebros absorvem, não podemos negar a existência duma era do simulacro das imagens. E neste sentido os documentários exercem o fascínio em desvendar ou multiplicar os fatos, numa espécie de rede imaginária e espetacular da história.

Nunca um modo de falar, num perfeito encaixe, veio a calhar neste universo de megapixels como a expressão, “deu na TV” ou “estou no Youtube", como fosse a assinatura autoral desta era.

São Paulo, maio 2007.
AURÉLIO MICHILES

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.